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Sunday, June 30, 2013

ALGUMAS SITUAÇÕES DESAGRADÁVEIS



dança pikkujoulu

No início de dezembro do mesmo ano, fiz uma linda festa que é tradição na Finlândia e antecede o Natal, chamada Pikku Joulu, que significa pequeno Natal. Convidei em torno de sessenta pessoas, dentre elas, muitos brasileiros que viviam na Finlândia. Pendurei sessenta bolas nas paredes, mas duas delas continham papéis anunciando prêmios: uma floreira e um vaso para água, ambos de cristal. As bolas restantes continham papéis com brincadeiras, e quem as estourasse teria de fazer o que estava escrito. Foram servidas comidas típicas do Natal e vários tipos de bebidas. Foi uma noite de muita alegria e brincadeira. Esse tipo de festa era muito comum em minha casa, mas decidi que não as faço mais, exceto com as pessoas que sei que são realmente amigas, pois as experiências que tive com alguns brasileiros foram um pouco decepcionantes. 

Uma vez recebi em minha casa, durante duas semanas, um casal de Salvador. Eram amigos de minha amiga médica que já tinha estado na Finlândia anteriormente. Quando chegaram à Escandinávia, desceram em Estocolmo, passando lá uma noite. Fui encontrá-los e assumi as despesas do hotel. Eu os recebi muito bem, levando-os para vários lugares. Mas a amizade não vingou porque, alguns dias depois de retornarem ao Brasil, nós descobrimos que ela recebia entidades do candomblé e havia feito uma cruz em meu jardim com uma vela no meio. Não conseguimos entender sua intenção, mas imaginamos que coisa boa não era. Nunca mais os vi.

Outra vez, a mesma amiga médica apresentou-me um casal de médicos de Salvador. Não sei o que acontecia comigo, mas parecia que eu nunca sabia dizer não a ela, talvez por ter cuidado de papai antes. Como tenho uma facilidade incrível de esquecer as ingratidões, também aceitei recebê-los em minha casa. Antes de chegarem à Finlândia, desembarcaram em Copenhagen para uma estadia de três dias. Mandei para eles, assim que chegaram ao hotel, uma garrafa de champanhe francês Cordon Rouge com um cartão dando-lhes as boas-vindas à Escandinávia. Quando chegaram à Finlândia, fui buscá-los no aeroporto e levei-os para minha casa, acomodando-os em meu quarto. Ainda programei para eles uma viagem de três dias à Rússia. Lembro-me de que estava tentando explicar para esta senhora alguma coisa sobre a viagem deles e, em um dado momento, como ela não estava conseguindo entender algo que eu dizia a respeito da excursão, deu-me um grito tão grande que o próprio marido depois me pediu desculpas. Após essa grosseria, inadmissível por parte de uma médica e, principalmente, depois do que fiz para eles, continuei a tratá-los bem, mas percebi que essa não era uma amizade saudável para mim e nem para minha família. Nunca me mandaram nenhum cartão de agradecimento. Porém, não aprendi a lição.


               

Dois anos mais tarde, outro casal recebeu de mim uma garrafa de champanhe francês no quarto de um hotel em Helsinki, com os cumprimentos de boas-vindas. Eles também eram de Salvador. Fui buscá-los onde estavam hospedados e ofereci-lhes um jantar. E novamente nunca recebi um cartão de agradecimento. Isso mata um pouco o entusiasmo de demonstrar carinho e amizade às pessoas.

No início de janeiro de l996, vivi mais uma situação desagradável na Europa. Depois de oito meses longe de minha irmã gêmea e da família, decidi ir novamente ao Brasil. Jouko e Anapaula foram me levar ao aeroporto. Nesse dia, estava nevando muito, e nosso trajeto demorou mais tempo do que o normal. Eu iria viajar pela KLM, uma companhia aérea da Holanda, e faria a rota Helsinki-Amsterdam-Paris-Salvador. Quando cheguei para fazer o check in, a pessoa que me atendeu disse-me, grosseiramente, que eu estava atrasada. Desculpei-me alegando o mau tempo. Anapaula resolveu tomar minhas dores e deu-lhe uma resposta malcriada. Recebi dessa funcionária meu cartão de embarque, despedi-me de Jouko, de minha filha e saí apressadamente para o controle de passaportes e, depois, para o portão de embarque. Ao chegar ao portão, olhei para o relógio e vi que faltavam somente sete minutos para a decolagem. Notei, também, que não havia mais nenhum passageiro próximo ao portão de embarque. Nessa hora, para minha surpresa e desespero, vi a mesma pessoa que fez meu chek-in vindo em minha direção, dizendo-me: 

– Infelizmente, o portão já está fechado, e a senhora não irá a lugar nenhum.

Disse-lhe que ainda tinha alguns minutos e que não poderia perder aquele voo, pois era o último daquele dia, e precisava pegar o da Varig para o Brasil no mesmo dia à noite. Não adiantou meu argumento. Estava claro que a atitude daquela funcionária teria sido, simplesmente, a maneira que achou de se vingar de mim por causa da resposta que minha filha havia lhe dado. Olhei para todos os lados e não vi ninguém para pedir ajuda. Enquanto discutíamos, o avião decolou. Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo. Não tive alternativa a não ser a de voltar ao andar de baixo, no desembarque, a fim de retirar minha bagagem. Mas, antes disso, procurei um telefone para avisar em casa que, quando Jouko chegasse, retornasse ao aeroporto para me buscar. Nem cheguei a telefonar, pois Jouko e Anapaula estavam vindo em minha direção. A sorte foi que, quando embarquei, eles resolveram parar nas máquinas de jogos que havia no aeroporto. Meu marido foi imediatamente para a KLM fazer a reclamação, mas já havia encerrado o expediente.

Fomos para casa e, no dia seguinte, nossa primeira providência foi ligar para nosso advogado e saber quais os direitos que teríamos perante essa empresa aérea. Recebemos a informação de que, se entrássemos com uma reclamação na justiça, a empresa pagaria uma indenização muito alta. Para isso, não poderia voltar ao Brasil pelo menos por alguns meses, mas minha vontade de rever minha família era tanta que optei por não ir adiante com essa briga. O advogado ligou para a empresa aérea que, além de se desculpar pelo ocorrido, pagou a gasolina de ida e volta ao aeroporto e a multa de duzentos dólares que eu havia pagado para trocar meu bilhete por um de outra empresa para viajar em outro dia. E a tal funcionária foi demitida. 

Na tarde do dia seguinte, tomei o voo da Finnair para Frankfurt. De lá, seguiria com a Varig para Recife e depois Salvador. Ainda no aeroporto, dentro da aeronave, tivemos que esperar por volta de quarenta minutos por um passageiro que havia se atrasado devido ao mau tempo. Fiquei imaginando a má vontade e a falta de respeito por parte daquela funcionária da KLM que não pôde esperar por mim cinco ou dez minutos a mais. Chegando a Frankfurt, dirigi-me à Varig a fim de receber meu cartão de embarque para Recife e tive outra surpresa. Descobri, através da empresa aérea, que nosso voo estava cancelado:

– Senhora, sentimos muito pelo acontecido e gostaríamos que fosse ao desembarque, retirasse sua bagagem e se dirigisse ao Hotel Sheraton daqui do aeroporto. Amanhã pela manhã decolaremos para Recife.

Desci as escadas rolantes para buscar minha bagagem e fique pensando, até com certo temor, sobre o fato de estar enfrentando tantos contratempos.

Na recepção do hotel, deram-me as chaves de meu apartamento. Quando abri a porta do mesmo, não pude conter a surpresa ao ver que já havia uma pessoa instalada. Liguei para a recepção e fiquei sabendo que a Varig havia colocado duas pessoas no mesmo quarto. Mesmo essa pessoa sendo uma mulher, eu não achei confortável dormir com alguém desconhecido. É lógico que não consegui dormir, pois tinha comigo dinheiro e joias e o fato de não conhecer a pessoa, naturalmente, dava-me insegurança. Talvez essa pessoa, minha companheira de quarto, sentisse o mesmo. Mais uma vez, precisei ligar para o Brasil e avisar minha família sobre a mudança de horário de minha chegada.

Finalmente, continuamos a viagem no dia seguinte. Estávamos sobrevoando as Ilhas Canárias quando começou uma forte turbulência. Comecei a ficar com muito medo e pedi uma dose de uísque, bebida que sempre evitei por conter muito álcool. Como senti que aquela dose deixou-me relaxada, pedi outra e, a partir daí, não me lembro de quantas mais eu bebi, nem da chegada a Recife. Não sei nem como retirei minha bagagem. A única coisa de que me lembro é que, no aeroporto, estava deitada no sofá da sala de uma empresa e um rapaz deu-me uma xícara de café. Não estava me sentindo bem e resolvi verificar a pressão, que estava muito alta. Pedi ao rapaz para chamar um médico, que me disse:

– Senhora, sua pressão está muito alta, mas, infelizmente, não posso medicá-la por causa do álcool em seu organismo. Aconselho que se mantenha deitada e tome bastante líquido como água, sucos e chás. 

Permaneci assim por três horas e, ainda tonta, segui viagem para Salvador. Durante quase uma semana, não me senti muito bem. Até hoje não consigo nem olhar para uma garrafa de uísque. Como experiência, valeu.

Dessa vez, fiquei por quatro meses no Brasil. Minha irmã havia se mudado para o Conde para viver lá novamente depois de quinze anos separada do primeiro marido. Fui passar alguns dias com ela, e, às vezes, ela ia a Salvador ficar comigo e com suas filhas, que continuavam a morar em meu apartamento. Por mais que ficássemos muito tempo juntas, não era o suficiente para matar as saudades porque o grande problema, além do tempo em que ficávamos separadas, era a distância muito grande entre a Finlândia e o Brasil.

Recebi em meu apartamento, durante esse tempo no Brasil, uma finlandesa que havia ido visitar os filhos em Salvador, e eles alegaram que ela não podia ficar na casa deles por falta de espaço. No final de sua estadia, ela ficou doente, sendo necessário chamar uma ambulância. Ela contraíra uma forte gripe e ficou de cama por uma semana. Cuidamos dela como se fosse da família. E como os outros, essa finlandesa nunca nos agradeceu.

Pela tarde, fui à barraca de revistas que ficava em frente ao prédio onde morava. Na saída, com as revistas em mãos, tropecei em uma boca de lobo e caí. Nessa queda, por infelicidade, tive uma luxação muito forte, e foi necessário engessar minha perna até a altura do joelho. Mas queria retornar à Finlândia, pois tinha muitas saudades de meu marido e meus filhos, além da necessidade de começar os preparativos para o noivado de Anapaula. Pensei, então, em como faria para enfrentar uma viagem tão longa naquela situação. Tinha uma saída, que era comprar um bilhete para outro dia já que, com o seguro, deveria ser reembolsada em caso de acidente ou doença inesperada. Decidi ir ao aeroporto assim mesmo e pedir um acompanhamento por parte da empresa aérea porque eu sabia que eles tinham esses serviços. Chegando ao balcão da empresa, já me trouxeram uma cadeira de rodas e uma pessoa para me acompanhar até a aeronave. Ao entrar no avião, fiquei surpresa ao constatar que me levaram para a primeira classe, acomodaram-me em uma poltrona confortável e colocaram um comissário para ficar à minha disposição. Essa classe estava lotada com pessoas de uma metalúrgica do Rio Grande do Sul, sendo eu a única mulher. Os cavalheiros receberam-me com palmas, brincadeiras e até cantaram uma música. Pude, então, comparar com o que havia acontecido em minha viagem para o Brasil com todos os transtornos que sofri por parte da KLM. Nota dez para a Varig!

Friday, June 28, 2013

EM CASA, VOLTANDO À ROTINA

Copa de Juniores de Helsinki. Foto: helsinkicup

De volta à Finlândia, passei a viajar frequentemente com meu marido. Um dia, em casa, recebi um telefonema de um organizador de evento esportivo:

– Dona Maria José, quem está falando aqui é o organizador da Copa de Juniores de Helsinki. Gostaria de pedir, por gentileza, para a senhora receber em sua casa, se possível, quatro garotos brasileiros que vieram jogar na Copa. Houve uma falha, e está faltando lugar para acomodá-los.

– Não tem problema, senhor. Diga-me onde estão que irei buscá-los. – respondi prontamente.

Esses garotos ficaram em minha casa por uma semana. Dei-lhes todo o carinho, atenção e cuidados que se dão a um filho. No dia da viagem deles, eu mesma fui levá-los ao aeroporto. Em meu retorno para casa, fui à geladeira e, antes de abri-la, vi que havia um papel preso na porta assinado por eles:

“Senhora Maria José, comes o teu pão, bebes o teu vinho sossegada porque Deus já apreciou teus trabalhos. Jesus te ama.”

Em seguida, a assinatura deles. Para mim, esse foi o melhor agradecimento que poderia ter recebido.

Certo dia, meu filho Ricardo resolveu morar com sua namorada, que vivia com os pais. Fiquei um pouco indecisa porque ele tinha apenas dezesseis anos. Eu já havia tido outra experiência antes com a saída de Anapaula, que foi viver no apartamento dela com dezoito anos. Aqui na Finlândia, é normal os filhos saírem cedo de casa porque, a partir dos dezoito anos, o jovem passa a ter ajuda do Governo para estudar. Os pais da namorada de Ricardo moravam em uma casa muito grande e confortável. Fizeram do andar de baixo um verdadeiro ninho de amor para os dois, que tinham o mesmo objetivo, a música, e frequentavam a mesma escola e sala de aula. A atenção dada a ele era a mesma que concederiam se tivessem um filho. Ricardo continuava a ir a minha casa todos os dias, a ter a mesma atenção e o mesmo carinho de filho, mas eu sentia que faltava alguma coisa, principalmente quando via seu quarto vazio. Eles continuaram a viver juntos, a fazer sucesso juntos. Ela era soprano e uma das vozes mais bonitas que ouvi até hoje. Formaram-se e frequentaram o Conservatorium de Oulunkylä, uma academia de música.

Certa vez, fui me encontrar com Jouko na Indonésia, em razão de seus projetos na Ásia. Fiz o voo Helsinki-Bangkok-Singapura. Na aeronave, havia um painel eletrônico que nos dava todas as informações do voo. Decolamos de Helsinki, atravessamos todo o território russo, o Paquistão, o Afeganistão, a Índia e uma parte da China. Às 6h30min, depois de oito horas de voo, vi, no painel eletrônico da aeronave, que sobrevoávamos o Tibet e ouvi quando nosso comandante pediu que olhássemos para fora, do lado esquerdo. O que vi me deixou sem fôlego. Lá estava a Cordilheira do Himalaia e, o majestoso e inacreditavelmente lindo, Monte Everest, com os seus 8.850 metros de altura. Voávamos a mais ou menos dez mil metros de altura, e tínhamos a impressão de estar ao lado do Monte. Nesse momento, chorei emocionada porque senti que, junto com aqueles raios solares, refletindo naquela neve eterna, estava Deus. Costumo dizer que não escalei a Cordilheira dos Himalaias, mas ela tocou meu coração. Algumas horas depois, descemos em Bangkok para escala de uma hora. Tivemos mais duas horas e meia de voo até nosso destino.

Monte Everest

Meu marido estava me esperando no aeroporto em Singapura. Fiquei impressionada com a precisão do controle de passaportes e rapidez na retirada da bagagem. Também me encantou a beleza do aeroporto com seu magnífico orquidário ornado com uma variedade de orquídeas e pássaros. Esse aeroporto de Singapura é famoso porque é o único no mundo com um jardim ornado com muitas variedades de orquídeas, inclusive com aquelas chamadas de celebridades, que estão em extinção, as quais foram preservadas e estão dentro de invólucros de vidro. Na saída, encontrei-me com Jouko, e seguimos para o Hotel York, onde nos hospedamos em uma suíte finamente decorada e recebemos como boas-vindas uma corbelha de orquídeas. Ficamos quatro dias conhecendo a cidade, fazendo compras e desfrutando a comida deliciosa do bufê do hotel. Fui presenteada por meu marido com um colar e brincos de pérolas. Ele me levou à joalheria onde a gerente, extremamente simpática e solícita, ofereceu-nos uma taça de champanhe e levou-nos a uma salinha para que assistíssemos ao vídeo de como se cultivam essas pérolas no fundo do mar.



York Hotel - Singapura

Restaurante no centro de Singapura

Seguimos de navio para a Ilha de Batam, uma dessas ilhas paradisíacas no Oceano Índico. Lá, ficamos hospedados em um ótimo hotel, onde havia, ao lado da piscina, um magnífico templo hindu. Desfrutamos a beleza da Ilha e comemos, em um dos restaurantes, um siri cozido com folha de gengibre que até hoje não encontrei igual em nenhum lugar do mundo. Depois de quatro dias, seguimos para uma cidade na Ilha de Sumatra, ainda na Indonésia. Lá, a empresa japonesa com a qual Jouko estava trabalhando no projeto havia construído um condomínio fechado para hospedar os estrangeiros que ali ficavam desenvolvendo o projeto. Tivemos um apartamento que funcionava como hotel, com serviço de quarto, restaurante e área de lazer. No segundo dia, conheci uma brasileira de São Paulo, cujo marido trabalhava no mesmo projeto de Jouko. Achei ótimo porque, além de ter uma amiga, podia falar minha língua. Ela se chamava Célia e era muito alto-astral. Em um desses dias, estávamos andando juntas às 7h30min, quando Célia, de repente, disse: 

– Maria José, não se mova!

Eu não entendi seu apelo porque ela estava atrás de mim. Nisso, percebi alguma coisa mexendo-se em minha frente. Foi aí que me dei conta de que, a apenas meio metro de meu pescoço, havia uma cobra naja com o bote armado em minha direção. Nessa hora, percebi que estava correndo perigo e imediatamente segurei meu crucifixo de pedras que levava ao pescoço e pedi, de olhos fechados, com muita fé, que aquela cobra fosse embora. Depois de alguns segundos, abri os olhos e vi que ela havia desaparecido. Célia também tinha fechado os olhos de tanto medo que sentira, não vendo a cobra afastar-se. Como falei antes, esse era um condomínio fechado, construído no meio da floresta, isolado por imensas valas de água, justamente para evitar a passagem dos animais. O susto foi tão grande que comecei a sentir dores de cabeça e muita tontura. Liguei para meu marido, que estava no trabalho em uma fábrica, e ele mandou o motorista levar-me para um pequeno pronto-socorro destinado para casos de emergência. Quando lá cheguei, deparei-me, na entrada, com um homem bem pequeno que vestia um guarda-pó branco. Ele me falou em inglês:

– Mrs. Rutanen, suzauto. 

Como eu nunca havia ouvido essa palavra antes, disse-lhe que não estava entendendo-o. Mas o homem insistia tanto, a ponto de não me deixar entrar na clínica. Foi quando ele se agachou e tirou meu tênis. Ele queria falar shoes out, ou seja, tire os sapatos. O médico disse-me que tive muita sorte. Se essa cobra tivesse me mordido, teria sido um pouco complicado porque, apesar de haver um helicóptero para casos de emergência, demoraria pelo menos vinte minutos até o hospital mais próximo. Falou-me também que esse episódio era muito raro de acontecer ali onde tudo era controlado e checado para proteger os estrangeiros. Não conseguimos entender de onde apareceu aquela cobra que, no dia seguinte, foi encontrada na fábrica, na sala dos computadores, sendo morta imediatamente.

Ilha de Batam - Indonésia (fotos by springvijay via Flickr)
Templo Indu - Ilha de Batam

Minha vida continuava normal, participávamos de todos os eventos e, nos finais de semana, sempre íamos a algum lugar. À noite, reuníamo-nos no bar do hotel para um bate-papo informal, sempre depois do jantar, na companhia dos finlandeses e de outros estrangeiros.

Na semana do Natal, houve a festa da empresa em um hotel na cidade de Pekanbaru, que é a capital da Província de Riau, com direito a comidas típicas natalinas e amigo secreto.

Na semana seguinte, passamos o Ano Novo também no mesmo hotel com um bufê maravilhoso e champanhe. Houve também sorteios de muitos prêmios e, para minha surpresa, fui sorteada com três diárias grátis no hotel em que estávamos hospedados. O hotel tinha até um nome engraçado: Mutiara Merdeka.






Recepcionista do hotel Murtiara Merdeka

Alguns dias depois, fomos convidados para um jantar na casa de uma família de um senhor canadense e sua esposa brasileira. Ela não gostava de falar sua nacionalidade e dizia sempre que era canadense. Estávamos todos sentados à mesa na casa dessa brasileira. Entre os convidados estava um casal finlandês – ele, diretor de uma empresa da Finlândia, e a esposa, professora de uma escola sueca em Helsinki. Ela estava conversando com outra senhora e falava que havia chegado recentemente da Finlândia e que estava encantada com o talento de um jovem de l8 anos em razão de uma peça de teatro que havia assistido três dias antes na Casa da Cultura. Esse jovem do qual ela falava havia dirigido a peça Anna Karenina, de Leo Tolstoi, e regido a orquestra na exibição. A emoção tomou conta de mim porque sabia que aquele garoto de quem ela falava era Ricardo, meu filho. Jouko tomou a palavra e, com muito orgulho, visivelmente emocionado, mencionou que esse jovem era o nosso filho. 

Em outro desses finais de semana, fomos visitar o Marco da Linha do Equador. É sempre uma emoção muito forte conhecer esses lugares.

Marco da Linha do Equador, em Pontianak, Indonésia

Um mês depois, retornei à Finlândia. Era final de janeiro de l995, e já estava na hora de ir para o Brasil porque não aguentava mais as saudades, principalmente de Litinha. Jouko ficou ainda trabalhando. Depois de duas semanas na Finlândia, voei para o Brasil e, como sempre, permaneci lá por três meses. Dentro desses três meses, Jouko foi me visitar por duas semanas. Passeamos muito, inclusive fomos passar três dias no Conde, minha terra natal. Ficamos hospedados no melhor hotel que lá existia, mas Jouko não gostou dos serviços porque não faziam jus ao preço que cobravam. Alguns dias antes de meu retorno à Finlândia, comecei a fazer as compras dos materiais para a festa de formatura de Ricardo, que seria realizada no início de junho. Para as famílias finlandesas, é motivo de orgulho e de grandes festas a conclusão do segundo grau de um filho, pois, a partir daí, ele já está preparado para uma universidade e uma profissão, e o Governo fica responsável pelos estudos, inclusive dando moradia e salário ao estudante. A Finlândia é um dos poucos países no mundo que paga para o cidadão estudar.

Eu estava muito ansiosa porque, apesar de Ricardo ser o filho mais novo, era o primeiro a nos dar essa alegria. Comprei sua roupa no Brasil: um terno branco de linho, colete e gravata bege de cetim, sapatos e meias pretas. Para combinar, comprei para mim saia e blazer de linho branco, blusa marrom de crepe de seda e echarpe combinando. Usei o colar e os brincos de pérola que havia ganhado de Jouko em Singapura. A cerimônia foi realizada na escola, às 9h, e a festa, em minha casa. Decorei as mesas com toalhas brancas de detalhes prateados. Teve um bufê com peru, salmão defumado, canapés de caviar, torta fria de camarão, torta fria de atum, vários tipos de salada, inclusive salada tropical, e, como sobremesa, doces finlandeses, o bolo da formatura, e servi doces típicos brasileiros para os cento e cinquenta convidados. Para beber, foram servidos refrigerantes, cervejas, vinhos tinto e branco, licores e champanhes. Tive que conseguir um lugar para tantas rosas que meu filho recebeu dos convidados. É tradição, nesse tipo de festa, na Finlândia, que os pais, junto com o formando, brindem com champanhe toda vez que um convidado chega. Depois de algum tempo, eu só brindava, não podia tomar nenhum gole a mais porque teria que estar bem para conduzir aquela festa da maneira como havíamos sonhado. Também faz parte da tradição, os convidados darem como presente um cartão de congratulações e, dentro desse, um cheque no valor estimado pelo convidado. Eu estava exausta depois de várias semanas de preparativos da formatura.



Antes disso, durante a cerimônia, pela manhã, o reitor da escola anunciou:

– Senhoras e Senhores, tenho a honra de trazer ao palco um jovem talentoso, um de nossos formandos. 

Este jovem era Ricardo, meu filho. Eu não acreditava no que via. Ricardo entrou elegantemente vestido, segurando um violão, sentando-se em frente à plateia com toda a serenidade que lhe é típica e começou a solar o Choro nº1 de Villa Lobos. Ouvia-o tocar extremamente emocionada, não conseguia conter as lágrimas. Eu olhava aquelas pessoas, em torno de quinhentas, atentas e em silêncio a escutar meu filho. Sentia meu coração apertado porque algumas das pessoas que eu mais amava não estavam presentes naquele momento: meu pai, falecido havia dois anos, e minha irmã gêmea, que se encontrava no Brasil. Nessa hora, chorei e agradeci a Deus por mais uma realização em minha vida. 

Depois da cerimônia, que demorou em torno de duas horas, seguimos para minha casa a fim de receber nossos convidados. A festa estendeu-se até a noite e, no outro dia, ainda recebi aqueles que não puderam comparecer no dia anterior.

Eu estava exausta, mas muito feliz. No dia seguinte, meu marido decolou para a Espanha para trabalhar em um projeto por quatro meses. Depois que me recuperei do trabalho da festa de Ricardo, fui encontrar-me com ele em Torremolinos, Costa del Sol, na Espanha. Jouko estava trabalhando em Anteguera, distante cinquenta quilômetros de Torremolinos. Para meu bem-estar, Jouko quis que eu ficasse em um hotel próximo ao mar, mesmo ele tendo de dirigir todo santo dia cem quilômetros para passar a noite comigo.

Lembro-me de que esse foi um verão europeu muito quente. Uma vez saímos do restaurante às duas da madrugada, e os termômetros marcavam 39ºC. O ar-condicionado do hotel não era suficiente, não conseguíamos dormir com tanto calor e, para refrescar, molhávamos uma toalha para colocá-la na testa.



Passeávamos muito e íamos a Marbella passar alguns finais de semana. Adriana foi passar duas semanas conosco, e gostei muito porque tinha companhia durante o dia.

Marbella, Espanha (foto by elsa11 via Flickr)

Fizemos uma viagem para Tânger, no Marrocos. Pegamos o ônibus da excursão de Torremolinos até Gibraltar. Perto de chegarmos ao porto, pudemos apreciar as construções com influência árabe, inclusive um castelo construído no século XIII. De lá, tomamos um barco para cruzar o Estreito de Gibraltar e, já dentro do mesmo, fomos orientadas por nosso guia a ficar na fila a fim de conseguir o visto de entrada para o Marrocos. Depois de duas horas e meia, chegamos ao Porto de Tânger, onde havia dois ônibus à nossa espera, com guias marroquinos vestindo roupas típicas. Visitamos os pontos turísticos e vimos um show de cobras dançando. Depois, fomos ao restaurante já reservado para o grupo. A decoração era feita com grandes tapetes vermelhos, inclusive nas paredes. A comida era típica, e foi-nos servido cuscuz com frango, frutas e sopa. Como bebida, refrigerantes, chás, água mineral e licor de damasco. Durante o almoço, fomos surpreendidos com a entrada de uma dançarina, também com roupas vermelhas, dando um show de dança do ventre de tirar o fôlego.

Tânger, Marrocos (Foto by Jorge BRASIL e betta designer via Flickr)


Depois do restaurante, fomos às compras, a uma loja de tapetes persas, com a qual eu fiquei impressionada pela arte apresentada e comprei um pequeno porque era mais fácil de carregar. Comprei também um conjunto de prata de peças para chá e algumas peças de decoração em bronze. No final da tarde, retornamos para a Espanha.


Fotos by Jorge BRASIL


No dia seguinte, nove de agosto, era aniversário de Jouko. Fomos jantar em Marbella, a cerca de duas horas de carro de Torremolinos. Jouko e Adriana tomaram bastante sangria, uma bebida típica espanhola, por isso tive que voltar dirigindo.

Alguns dias depois, retornei à Finlândia. Ainda no aeroporto de Málaga, fiz uma ligação para o Brasil e fiquei sabendo que vovó Julieta, a mãe de papai, havia falecido.

Em outubro do mesmo ano, fui passar uma semana em Londres com Anapaula. Ficamos hospedadas em um hotel bastante confortável, perto da Oxford Street, paraíso das compras no centro de Londres. Todos os dias, tínhamos sempre um passeio a fazer, visitamos castelos e museus. Assistimos, no Palace, à peça Les Miserables, do escritor francês Vitor Hugo. Sentamos na primeira fila, e, em um dado momento, o ator principal da peça estava representando um personagem que cantava com muita emoção, pedindo ajuda a Deus pela recuperação do jovem filho que havia sido baleado. Esse episódio emocionou-me muito e, não conseguindo conter as lágrimas, chorei junto com o ator. No final da cena, as pessoas jogaram rosas no placo para ele, que se abaixou, pegou uma das rosas e jogou-a para mim. Foi uma emoção à parte. À noite, sempre íamos jantar em um restaurante brasileiro que ficava perto de nosso hotel, e assim matávamos a saudade de nossa comida. No domingo, fomos à feira de Porto Belo, a maior feira livre do mundo. Na última noite, eu estava muito cansada, e Anapaula foi sozinha ao restaurante brasileiro onde encontrou alguns corredores de Fórmula 1 e também participou da comemoração que eles estavam fazendo. 
Londres
frente ao Castelo de Windsor - Londres

Londres



Frente ao Buckingham Palace - Londres

Na semana seguinte, já de volta à Finlândia, Anapaula, que morava no centro de Helsinki, foi jantar em minha casa, decidida a passar a noite conosco. Acendi a lareira, e ficamos assando salsichas, ouvindo música e conversando. Anapaula e Adriana, então, resolveram subir para dormir, enquanto eu fiquei acomodada na cadeira de balanço, olhando o fogo e curtindo aquele ambiente aconchegante. Anapaula me chamou, e eu lhe disse que já estava indo. Passados alguns minutos, tornou a me chamar e, diante de sua insistência, decidi levantar-me e ir a seu encontro no andar de cima. Já estava começando a subir a escada quando ouvi um barulho muito forte de explosão. A impressão que tive foi de que alguma coisa muito pesada havia desabado. Minhas filhas vieram correndo e gritando, perguntando-me o que havia acontecido. Fomos direto para a sala da lareira, e qual não foi minha surpresa ao perceber que, assim que me levantei da cadeira, as duas portas de vidro da lareira explodiram em função do forte calor, e os pedaços grossos de vidro cravaram-se na cadeira e na parede, exatamente no lugar em que eu estava sentada. Isso me deixou muito impressionada e, mais uma vez, agradeci a Deus pela vida. Anapaula decidiu ir embora e pediu-me que a levasse para casa naquela mesma noite. O carro estava lá fora, e não havíamos percebido que havia nevado. Pensei duas vezes antes de sair porque o carro ainda estava com pneus de verão, mas, diante da insistência de minha filha, resolvi ir assim mesmo. Saímos do condomínio onde eu morava e dirigimo-nos para a rua em direção a transversal a fim de tomar a rua principal e seguir para Helsinki. Quando tentei parar o carro, ele derrapou, dando um cavalo de pau. Nossa sorte foi que não vinha nenhum carro. Disse para Anapaula que, diante disso e do que havia acontecido em casa antes, o melhor era voltarmos para lá e tentarmos dormir, além do mais, já passava da meia-noite. E foi o que fizemos.

Na Finlândia, temos que ter pneus para o verão e outros especiais para o inverno. O dia 2 de novembro é o último dia para a troca de um pelo outro. Depois desse dia, se a pessoa não colocar os pneus adequados, o que acontecer com o carro não será mais responsabilidade do seguro. Da mesma forma, quando termina o inverno, lá para o dia 15 de abril, quase chegando a primavera, esses pneus precisam ser substituídos novamente pelos de verão.

Wednesday, June 26, 2013

DOR NA FAMÍLIA


Vovó


No ano seguinte, em outra viagem ao Brasil, no final do mês de outubro, comemoramos os oitenta anos de minha avó materna. Mandei buscar meu pai no Sul, que, dessa vez, viria morar definitivamente na Bahia, pois a senhora com a qual ele morava havia o colocado para fora de casa. Consegui reunir quase todos os netos, bisnetos e tetranetos de vovó. Na igreja, minha avó, vencida pela idade e já um pouco doente, entrou acompanhada da família, com uma linda música composta por meu filho. Vovó estava radiante, usando um vestido azul e um colar de pérolas, feliz de poder estar junto àquela família que, com muito esforço, ajudou a criar. O bolo foi um grande coração de cor branca enfeitado com rosas naturais vermelhas. Meu pai, por outro lado, estava extremamente abalado por ter sido colocado para fora de casa pela mulher com quem havia morado durante tantos anos. Eu tinha ajudado a construir a casa deles, mas, por confiança, papai nunca guardou um só recibo do material usado para sua construção, logo, não tinha como provar que a casa tinha sido construída por ele. Sua maior dor era a amar muito. Nós tentávamos fazer o melhor para que, com nosso carinho e atenção, ele esquecesse um pouco essa dor. Certo dia, ele me pediu:

– Filha, já estou aqui faz três semanas e ainda não vi minha filha Isabel. Quando você pode me levar à casa dela? 

Respondi-lhe:

– É verdade, papai! Já era tempo de termos ido vê-la. O senhor irá amanhã, domingo, para a casa de Regina, e, na segunda-feira cedo, eu passo e lhe apanho.

No domingo à noite, estava me preparando para dormir, quando o telefone tocou. Era Neto, meu sobrinho, filho de Isabel:

– Alô, tia. Estou lhe telefonando porque aconteceu um problema com minha mãe. No momento, ela está sendo atendida no Pronto Socorro Geral do Estado porque, há pouco mais de uma hora, foi atingida no estômago por uma bala disparada por um policial que perseguia um marginal. Isso aconteceu quando ela estava na porta de casa conversando com uma vizinha. Não se preocupe porque ela já esta sendo operada e, segundo os médicos, vai se recuperar.

Sem falar para vovó, que estava morando em meu apartamento junto com minha sobrinha Maria Antônia, fomos ao Hospital. Lá chegando, encontrei os três filhos dela e algumas pessoas da família de seu ex-marido. As pessoas estavam calmas, e as notícias eram animadoras, mas o lugar era degradante, havia muita sujeira e muitos feridos, chovia muito e, como os visitantes não tinham autorização para entrar, tivemos que permanecer do lado de fora, embaixo de um temporal, por mais de duas horas. Finalmente, depois dessa espera, tivemos a informação de que teríamos que providenciar sua transferência para outro hospital. Tomei um táxi, acompanhada de meus sobrinhos, e fomos para um hospital particular na Barra, onde foi providenciado o depósito para a internação de Isabel. Meia hora depois, como se fosse um pesadelo, vi minha irmã entrar no Centro de Terapia Intensiva do hospital em uma maca, acompanhada de algumas pessoas, que não identifiquei se eram médicos ou enfermeiros. Não gostei do que vi. O rosto dela estava cadavérico, e ela respirava através de uma máscara de oxigênio manual. Nesse momento, lembrei-me de telefonar para uma amiga que era médica. Alguns minutos depois, com a sua chegada, ficamos sabendo que minha irmã estava com morte cerebral e tinha, no máximo, duas horas de vida. Até hoje não sabemos quem foi o responsável por essa negligência: o pronto socorro que a operou, a ambulância que a transportou ou o hospital que a recebeu. Resolvi ir direto para a casa de Regina com a missão de dar a terrível notícia a papai e a todos da família. Cheguei lá por volta das 6h da manhã, e, quando meu pai abriu a porta, não escondeu a surpresa de ver-me tão cedo:

– Bom dia, filha. A essa hora da manhã?! Não me lembro de termos combinado de ir à casa de Isabel tão cedo. Não estou entendendo também por que você está acompanhada de sua amiga médica e dos filhos de Isabel. 

Sabia que, nesse momento, teria que me manter calma por papai e principalmente por Regina, que estava grávida de quatro meses. Em menos de duas horas, o toque implacável do telefone confirmava o falecimento de Isabel. Papai recebeu a notícia e parecia em transe. No cemitério, houve muita revolta por parte de nossa família, pois alguém suspeitava de que a morte de minha irmã tinha sido intencional e não acidente, mas não podíamos continuar com aquela suspeita porque não havia provas. Mesmo assim, tentei, através de uma entrevista em uma rádio de Salvador, alguns dias depois, chegar à verdade. Queríamos que fosse feita uma reconstituição do crime para que tivéssemos alguma explicação sobre a morte de nossa irmã, mas, no mesmo dia da entrevista, recebi uma ameaça por telefone, mandando que esquecesse esse assunto. Este caso não foi solucionado até hoje.

Tentávamos ficar mais perto de nosso pai que, apesar de estar sofrendo muito, não perdia a serenidade e até mesmo o bom humor, uma das boas qualidades que tinha. Dessa vez, minha ida ao Brasil teria sido para matar as saudades da família e retornar à Finlândia antes do Natal, mas, diante dessa tragédia, resolvi permanecer até março a fim de dar mais apoio a minha família e principalmente a meu pai.

No Natal, mandei buscar na Finlândia minha filha Adriana para passar as férias conosco, e, apesar da dor, tentávamos levar uma vida normal. Tínhamos muito apoio de nossos amigos, e acredito até que nossa família ficou mais unida.

Um mês antes de meu retorno à Finlândia, meu pai chamou-me e disse:

– Filha, você sempre teve vontade de me levar junto com você para passar algum tempo na Finlândia, e talvez agora fosse uma boa oportunidade.

– Sim, papai. Essa é uma boa ideia, mas penso que o tempo é curto para tomar as medidas necessárias, como, por exemplo, providenciar seu passaporte, e ainda está um pouco frio lá. Vou providenciar sua ida para o início de julho porque é verão, e nessa época é mais fácil conseguir uma pessoa conhecida que também vá à Europa e possa lhe ajudar na conexão em Frankfurt.

Eu mesma poderia voar até Frankfurt, que são apenas três horas de voo, e ir encontrar-me com ele. Realmente achei que estaria fazendo o melhor levando-o apenas em julho para a Finlândia.

Eu e papai, na frente do prédio, na Pituba - Salvador

Finalmente chegou o dia de meu retorno. Pela manhã, fui à praia com meu pai, e depois fomos ao Mercado Modelo fazer umas compras. Ele estava muito triste, mas sereno. Ajudou-me na arrumação e prometeu-me que, dentro de alguns dias, faria a endoscopia já solicitada pelo médico algum tempo antes. No aeroporto, a emoção da despedida foi muito grande porque, dessa vez, não teria mais minha querida irmã Isabel para dizer “até breve”. Depois de despedir-me de todos, dirigi-me ao portão de embarque. Ao virar-me para trás, vi uma infinita tristeza nos olhos de meu pai. Não sabia que esse seria nosso último adeus.

Algumas semanas depois, já na Finlândia, decidimos ir até Saarijärvi, onde temos uma casa de verão, passar a Páscoa. Na semana seguinte, pela manhã, o telefone tocou, e era meu pai falando-me que estava contente porque havia feito a endoscopia e o resultado tinha sido muito bom, sem nenhum tipo de problema. Falamos por algum tempo e, na despedida, pediu-me para mandar um beijo para Jouko. Então meu marido respondeu que um homem não beijava outro, e sim, abraçava. Disse isso a meu pai e foi motivo de muitas gargalhadas. Era uma quarta-feira.

Retornamos para Helsinki e, dois dias depois, fui com Adriana à casa de uma amiga brasileira para o aniversário do filho dela. Estávamos sentados no sofá conversando quando o telefone tocou, alguém atendeu e chamou Adriana. Percebi que ela falava muito baixo e chorava. Perguntei-lhe o motivo, e imediatamente ela desligou dizendo que era Anapaula, que havia chegado de um cruzeiro entre Helsinki e Talina na Estônia. Eu queria saber o que elas haviam falado e qual o motivo de Adriana estar tão triste a ponto de chorar. Então Adriana falou:

– Minha mãe, não se preocupe. Houve um pequeno problema com Anapaula. Ela caiu no convés do navio e machucou o joelho.

Achei estranho ser esse o motivo do choro de Adriana. Em seguida tentei ligar para Anapaula, mas ela não deixou. Nesse momento, dei-me conta de que alguma coisa estava errada e percebi que as pessoas olhavam para mim apreensivas. Olhei para todos os lados, já em pânico. Notei que Adriana havia se trancado no banheiro com outra amiga minha. Fui direto para lá e ouvi que Adriana chorava muito. Eu pedia desesperadamente que abrissem a porta e me dissessem o que estava acontecendo, pois estava transtornada sem conseguir sequer raciocinar. Algo me dizia que havia acontecido alguma coisa de muito grave com Anapaula, Ricardo ou Jouko. Sentindo um grande desespero, nem cheguei a pensar em minha família no Brasil.

– Adriana, Gislaine, pelo amor de Deus, abram essa porta! – pedia desesperadamente.

A porta abriu-se, e Gislaine, nossa amiga, olhou para mim e disse-me friamente:

– Seu pai morreu.

Nessa hora, não conseguia respirar direito, sentia um aperto muito grande no peito e não tive forças suficientes para segurar meu corpo, que caía ao chão. Quando acordei, já estava dentro da ambulância, a caminho do hospital. Algum tempo depois, chegavam ao hospital meu marido, Ricardo e Anapaula. Eu me recusava a acreditar no que estava acontecendo. Sentia uma dor profunda no peito, estava em choque, não queria aceitar que havia perdido meu pai, uma das pessoas que mais amava nesse mundo. Até então, não sabia que ele havia se suicidado. Depois de ter passado a noite no hospital e me submetido a vários exames, voltei para casa com meu marido e meus filhos e fiquei sabendo, através de minha irmã Joselita, como tudo havia acontecido. Meu pai estava morando com ela, e, um dia, ela lhe pediu:

– Pai, faltou vinagre para fazer o almoço, e gostaria que o senhor fosse comprar.

Quando ele retornou, ela avisou que ia fechar a porta da cozinha porque o vento estava muito forte e apagaria o fogo.

– Não se preocupe filha. Vou ficar aqui vendo televisão até a comida ficar pronta.

Alguns minutos depois, minha irmã estava cozinhando, quando ouviu gritos vindos do lado de fora do prédio. Abriu a porta da cozinha correndo e, sem entender o que estava acontecendo, dirigiu-se ao quarto onde sua filha, Jaqueline, estava falando ao telefone:

– Jaqueline, que gritos são esses? Por que as pessoas estão nas janelas dos outros prédios olhando para cá, gesticulando muito e pedindo socorro?

Nessa hora, ouviu um terrível barulho de uma coisa caindo no chão e, quando abriu a janela, não acreditou no que via. No chão, estava o corpo de nosso pai. Com o choque, ela teve paralisia nas pernas, não conseguia acreditar no que acabara de ver.

Ficamos imaginando se, em vez de ela ter se dirigido ao quarto, tivesse ido à sala, teria ainda tempo de ver nosso pai pendurado na janela, tentando voltar. Provavelmente ele havia se arrependido. Conhecendo minha irmã, sabendo do grande amor que ela tinha por nosso pai, iria tentar socorrê-lo segurando-lhe, mas como a janela era de vidro até embaixo, com o peso do corpo dele do lado de fora, ela iria junto. A tragédia poderia ter sido pior.

A casa cheia de gente confirmava toda aquela tragédia, aquele pesadelo. Em alguns minutos, a polícia invadiu o apartamento fazendo perguntas e tirando impressões digitais de minha irmã, sobrinhas e até mesmo de minha avó, que estava deitada na cama paralítica e doente. Segundo a polícia, alguém podia tê-lo empurrado. A dor de minha família era o que menos importava para eles. Naquele momento, entrou minha amiga médica, em choque, pois, além de gostar muito de papai, era também sua médica, e falou para a delegada, sua conhecida, que era amiga da família havia mais de vinte anos e que ninguém dali seria capaz de uma crueldade dessas, principalmente pelo amor que todos tinham por ele. Na portaria do prédio, a situação não era nem um pouco diferente porque os jornalistas tentavam a todo custo subir ao apartamento a fim de tirar fotos ou sei lá o quê. Felizmente, foram barrados pela administração do prédio, mas, mesmo assim, do lado de fora, registraram e divulgaram imagens do corpo de papai e do local do acidente. O apartamento, a cada minuto, recebia um maior número de pessoas: parentes, amigos e até desconhecidos. Não para atrapalhar, mas para trazer solidariedade, apoio e até ajudar a preparar café, chás, sucos. No dia seguinte, havia, no apartamento, vinte e cinco garrafas térmicas de café, e minha irmã não sabia nem quem eram seus donos.

O desespero e a dor tomaram conta de toda a família, que ainda não havia se recuperado da trágica morte de minha irmã, Isabel, ocorrida havia quatro meses. Ninguém conseguia entender por que ele tinha feito aquilo. Um homem que casou muito jovem, lutou com todas as suas forças para manter com dignidade sua família de onze pessoas, dando o melhor que podia, um homem íntegro e sereno, que tinha uma facilidade incrível de sorrir e fazer amigos, um homem doce com o sorriso de menino, enfim, um pai maravilhoso. Por que teve aquela morte tão trágica? Sem respostas e em choque, a minha família enfrentava aquela situação.

Minha irmã caçula, Regina, estava no oitavo mês de gestação e já havia sofrido outro abalo quatro meses antes com a morte de nossa irmã Isabel. Regina, que não sabia de nada, acordou nervosa e procurou a empregada:

– Iracy, ligue para a Pituba e chame papai porque eu estava dormindo e acordei vendo ele aqui em meu quarto.

A empregada, atônita, não sabia o que falar:

– Dona Regina, não é necessário telefonar. Tenho certeza de que ele está bem.

– Eu vou telefonar porque não estou louca! Eu o vi agora mesmo!

Por infelicidade, quem atendeu ao telefone foi a própria cunhada dela. Regina, então, sem entender, perguntou-lhe o que ela estava fazendo a essa hora do dia na casa de minha outra irmã. Sua cunhada respondeu-lhe que vovó não passava bem. E Regina pediu que chamasse papai, pois queria falar com ele. A resposta foi que papai não estava em casa naquele momento. Regina desligou o telefone e tentou relaxar, mas, como não conseguia, telefonou novamente, e uma pessoa desconhecida atendeu ao telefone, deixando minha irmã mais nervosa e confusa. Nessa hora, seu marido chegou acompanhado do irmão, que era médico, e tentaram contornar a situação. Acabaram dizendo que papai estava passando mal e se encontrava no hospital. Ela pediu ao marido que a levasse para lá. Conseguiram convencê-la de que não era uma boa idéia devido ao estado em que ela se encontrava. Regina é uma pessoa muito intuitiva e logicamente não acreditou naquela história. Pegou a bolsa e saiu correndo para chamar um táxi, sendo impedida pelo cunhado que lhe deu um sedativo. Já mais calma, resolveu ficar em casa aguardando as notícias. Algum tempo depois, dormiu novamente e, quando acordou, resolveu ligar a televisão, a qual estava mostrando as imagens do acontecido. Nessa hora, Regina caiu, foi socorrida e levada para o hospital pelo marido. Foi pior assim porque o choque foi muito maior.

Meus outros dois irmãos moravam no sul do país. Um deles estava voando para Salvador, e, ao mesmo tempo, surgiu um impasse: precisavam de um homem da família que fosse ao Instituto Médico Legal liberar o corpo. Finalmente apareceu alguém da família, com muita boa vontade, que nos ajudou na liberação do corpo. Mas, mesmo assim, em razão de tantas burocracias, o corpo só foi liberado às 4h da manhã, quinze horas depois do ocorrido.

No cemitério, a emoção era geral, com as pessoas da família vindas do interior e também parentes de papai de Sergipe, pessoas que nem conhecíamos. As coroas de flores eram brancas e amarelas, em razão de minha irmã Regina ter sonhado uma semana antes que estava se casando de roupa preta e grinalda branca, que papai trocava por uma grinalda amarela.

Fui proibida por meu médico da Finlândia de regressar ao Brasil. Segundo ele, de jeito nenhum eu poderia viajar para o funeral uma vez que não tinha saúde para enfrentar um voo tão longo, muito menos para suportar a emoção da situação. Mesmo sob efeito de sedativos, em alguns momentos de lucidez, tentava imaginar a situação no Brasil. Durante quase uma semana, vivi esse pesadelo. Tinha toda a atenção e carinho de meu marido e filhos, mas sabia do sofrimento que estava causando a eles por me verem chorar o tempo todo. No entanto, aquela dor era bem mais forte, incontrolável, uma dor que destroçava meu coração e minha alma. 

Depois de uma semana, já um pouco melhor fisicamente, tomei um voo para o Brasil. Meu marido solicitou à Finnair, empresa aérea finlandesa, e à Varig um serviço especial durante o voo Helsinki-Copenhagen-Rio-Salvador. Eu estava com a pressão arterial um pouco alta, e uma comissária controlava-a e tentava me acalmar. Cheguei a Salvador depois de vinte e cinco horas. No aeroporto, havia muitas pessoas de minha família e muitos amigos à minha espera. Todos sabiam do grande amor que tinha por meu pai e tentavam me confortar. O pior foi quando cheguei a casa e não o vi. Dei-me conta de que não o veria nunca mais e que, dessa vez, não teria sua companhia, não veria nunca mais aquele olhar carinhoso e não teria mais a felicidade de chamá-lo de papai ou de ser chamada de filha. Procurei refúgio em meu quarto e só pensava em tomar tranquilizantes para dormir, rejeitando ficar acordada. Não queria sair do quarto e nem falar com ninguém ao telefone. Comer, muito menos. Mas sentia que precisava reagir, principalmente para falar com Jouko e meus filhos, que me ligavam da Finlândia praticamente todos os dias. O tempo passava, e eu não conseguia me libertar daquela depressão terrível. Não conseguia ir até a sala, lugar em que ele gostava de ficar, sentado no sofá, de cabeça baixa e às vezes até chorando. Essas foram algumas das últimas imagens que tinha dele quando estávamos juntos. E também não conseguia abrir a cortina do quarto e olhar para os treze andares abaixo. Sentia-me muito culpada por tudo o que acontecera. Poderia ter prestado mais atenção a sua tristeza, poderia tê-lo ouvido quando me pediu que o levasse para a Finlândia e ter feito um pouco mais de esforço para ajudá-lo. Esses pensamentos me machucavam muito, ao extremo, e até me sufocavam, mesmo sabendo que sempre o amei muito e fiz meu melhor para que nada lhe faltasse. Meu primo Diogo incentivou-me a ler a Bíblia. Os dias foram passando, e sentia que aquela leitura ajudava-me um pouco e começava a ouvir os conselhos de minha família e das pessoas próximas, que não sabiam mais o que fazer para aliviar meu sofrimento. 
cesta de café da manhã, no dia do meu aniversário

No dia de meu aniversário, poucos dias antes de completar três meses dessa tragédia, acordei por volta das oito da manhã com minha irmã e sobrinhas segurando uma cesta de café da manhã, flores e cantando parabéns. Em seguida, recebi um telefonema da Finlândia de meus filhos e marido. Percebi que precisava viver, principalmente, por essas pessoas que me amavam muito. Eu estava me destruindo e comecei a acreditar que aquele meu sofrimento talvez não estivesse fazendo bem para meu pai. Permaneci mais um mês no Brasil e retornei à Finlândia. Jouko estava com um projeto na Indonésia. Optei por ficar na Finlândia a fim de desfrutar da companhia de meus filhos e curtir minha casa. Apesar disso, continuava ainda depressiva, só dormia com tranquilizantes. Eu lia muito, ouvia sempre uma boa música e passeava com meus filhos. Decidi procurar um analista. Indicaram-me uma sueca que tinha muitos livros publicados e, segundo informações, era muito boa. Mas ela morava na Suécia. Como eu estava na Finlândia, fazia as sessões por telefone duas vezes por semana. Ajudou-me um pouco. Falava quase todos os dias pelo telefone com Jouko, sentia muitas saudades dele e não via a hora de seu retorno. Dois meses passaram-se, e eu tentava ter uma vida normal, embora aquela dor não acabasse e as saudades que sentia de meu pai fossem, às vezes, insuportáveis. Certo dia, decidi que dormiria sem remédio. Não consegui. Fiquei acordada toda a noite, o dia e a noite seguintes também. Pela manhã, minhas filhas levaram-me ao médico, que me receitou antidepressivo e aconselhou-me a frequentar uma academia de dança. Segui seus conselhos, mas de nada adiantaram.

Eu esperava com muita ansiedade o retorno de Jouko à Finlândia. Imaginava que sua presença me daria um pouco mais de felicidade. No dia de sua chegada, estava mais animada e até um pouco feliz. Era bom vê-lo novamente depois de quatro meses, talvez os mais longos e dolorosos de minha vida.

Faltava pouco tempo para completar seis meses da morte de meu pai. Resolvi escrever uma cartinha para ele. Essa carta foi transformada em cartões de agradecimento a serem distribuídos para as pessoas que compareceriam à missa. Custou-me bastante escrevê-la, mas consegui, pelo menos, pôr no papel tudo o que eu estava sentindo. Enquanto escrevia, sentia as lágrimas caírem, e às vezes, até molhavam os papéis. Mas precisava fazer alguma coisa que aliviasse minha dor. Eis a carta:



Alguns meses depois, retornei ao Brasil e, dessa vez, criei coragem e fui ao cemitério pela primeira vez visitá-lo. Foi muito doloroso porque até então não tinha visto nada, só ouvira sobre sua morte. Havia mandado da Finlândia uma corbelha de flores de seda e um porta-vela. Quando lá cheguei, haviam sido roubados, certamente por pessoas que não sabiam o que é respeitar os outros.

Passei os três meses de verão em Salvador e depois retornei à Finlândia. Sentia que estava melhor, com minha vida normalizada, embora a dor e a saudade dele ainda me machucassem muito. Havia passado oito meses.

Tuesday, June 25, 2013

MUITO AGITO EM POUCO TEMPO

Essa é Ida Janine, minha sobrinha-neta, neta da minha irmã Joselita, de quem falei no post anterior

Voltei, em seguida, para a Finlândia. Meus filhos continuavam na escola. Ricardo estava na Academia de Música. Eu continuava a estudar línguas e, quando podia, viajava com Jouko para outros países. Quando me hospedava em hotéis maravilhosos e comia em ótimos restaurantes, lembrava-me de meu sonho de infância de conhecer Londres, um sonho de uma menina pobre que lavava roupas na fonte para uma família de doze pessoas, que tirava água das cisternas das vizinhas, dona Cândida e dona Vivaldina, para abastecer a casa.

E tudo estava indo bem até o dia em que pedi a Adriana para ir ao banco para mim:

– Adriana, gostaria que fosse ao banco e depositasse esse dinheiro na minha conta. Era sete mil marcos finlandeses.

Passados dois dias, fui ao banco pegar meu saldo no caixa automático, e, para minha surpresa, havia, na minha conta, setenta mil marcos finlandeses. Fiquei sem saber o que fazer por saber que aquele dinheiro não era meu. Antes de ir ao banco para ter mais informações, resolvi ligar para Boston, nos Estados Unidos, onde Jouko estava fazendo um projeto. Ele me disse:

– Maria, aconselho você a não mexer nesse dinheiro e também não avisar nada para o banco. Vamos ver o que eles vão fazer e a explicação que vão dar. Recomendo que você não a movimente até isso ficar resolvido. Use a conta conjunta que temos. 

Depois de um mês e meio, fui buscar o saldo e percebi que todo o dinheiro a mais que estava na conta, inclusive sete mil marcos que eram meus, havia desaparecido. Liguei para Jouko novamente, e ele me disse:

– Agora você precisa ir imediatamente ao banco fazer a queixa.

– Senhora, o banco sente muito pelo equívoco, e pedimos mil desculpas. 

Agora mesmo, seu dinheiro entrará em sua conta.

Dois dias depois, recebi uma carta do banco elogiando minha honestidade, pedindo desculpas pelo ocorrido e colocando-se à minha disposição para o que fosse preciso.

Um ano depois, quando meu marido completou seus 50 anos, fiz uma festa. Na Finlândia, é muito importante comemorar essa idade. Convidamos alguns brasileiros, amigos finlandeses e a família dele para nossa casa de campo. Servi de almoço uma suculenta feijoada e, é lógico, a caipirinha. Os ingredientes da feijoada, eu trouxe do Brasil. Vesti-me de baiana e fui alvo da curiosidade das pessoas querendo saber sobre a roupa e os colares dos orixás que usava. A festa começou cedo, com a chegada dos parentes dele que, segundo a tradição, entraram cantando uma música típica para a ocasião. Emocionei-me muito com aquela homenagem até então desconhecida para mim.

Festa do aniversário de 50 anos de Jouko


No mesmo ano, entrei para uma associação de senhoras estrangeiras cujo objetivo era discutir os problemas sociais do mundo. Eram embaixatrizes, esposas de diretores de empresas multinacionais e outras senhoras finlandesas. Viajávamos muito, tínhamos conferências e promovíamos chás beneficentes e shows cuja verba era destinada a países carentes. Em uma dessas viagens, fomos para as Ilhas Canárias na Espanha. Ficamos por uma semana em um hotel belíssimo, na Praia dos Ingleses, perto de Las Palmas. Lembrei-me de que estava a meio caminho do Brasil e senti muitas saudades. Naquele mesmo ano, voltei ao Brasil e fui convidada para dar uma entrevista à TV Itapoan para falar sobre esse projeto.



As Ilhas Canárias são um arquipélago espanhol no Oceano Atlântico, ao largo de Marrocos, constituindo uma Região Autónoma da Espanha.

Ilhas Canárias - Tenerife, a maior das 7 ilhas, um local onde é sol e calor o ano todo, logo, um balneário turistico sempre movimentado principalmente por inglêses, alemãs e russos.

Monday, June 24, 2013

RESOLVENDO ALGUNS PROBLEMAS NO BRASIL

Minha sobrinha, filha de Joselita, havia se casado e, pouco mais de um ano depois que sua filha nasceu, seu marido a abandonou, fugindo da responsabilidade de sustentar a criança. Nós, nem de longe, imaginaríamos que o pai dessa criança tão linda, tão doce e meiga fosse ter uma atitude assim. Assumi, então, uma parte da responsabilidade, como, por exemplo, a moradia. O que ainda não consigo entender é por que a justiça nada fez para que ele pagasse por esse crime já que, segundo me informaram, as leis brasileiras são rigorosas com quem sonega pensão alimentícia. Foi feita uma queixa contra esse indivíduo, e a desculpa que a mãe da menina recebeu foi de que não sabiam do paradeiro do mesmo. Eu, pessoalmente, acho que seu irmão, que é advogado e, na época, trabalhava no Fórum, coincidentemente na Vara de Família, teve muito a ver com essa maracutaia.



Lembro-me também de quando essa menina estava para completar seus quinze anos e minha irmã procurou-me para que pudesse realizar a festa em minha casa, no Sítio do Conde, lugar com bastante espaço e um grande jardim. Não hesitei em dizer sim, ainda mais que eu já estava assumindo algumas despesas dessa criança. No dia da festa, durante as arrumações, havia muito movimento de pessoas entrando e saindo de minha casa, o que era perfeitamente natural em cidades menores como o Sítio do Conde. Eu estava almoçando tranquilamente quando, de repente, vi entrar em minha casa ninguém menos que o pai dessa menina, que a abandonara ainda recém-nascida e nunca havia assumido qualquer responsabilidade sobre ela. E o pior, ele estava com um sorriso de orelha a orelha, como se nada tivesse acontecido. Quem o teria convidado? Indignada, levantei-me da mesa e fui para meu quarto sem conseguir entender o que realmente estava se passando. Decidi não questionar nada para não estragar o dia da festa de quinze anos da neta de minha irmã. E as surpresas não terminaram por aí. Na hora da festa, quando os convidados estavam chegando, em um lugar reservado da casa, deparei-me com a família inteira desse pai omisso e criminoso: a avó, a mãe, seus irmãos, tios e sobrinhos. Por que aquelas pessoas estavam em minha casa? Eram pessoas que jamais fizeram parte de meu círculo de amizade e, pior, pessoas que já haviam demonstrado má índole. Mesmo a festa sendo da neta de minha irmã, era em minha casa. Eu deveria ter sido avisada de que eles haviam sido convidados. Mais uma vez calei-me por respeito à aniversariante. Quanta hipocrisia, quanta contradição! Não era essa mesma família que dizia não saber o paradeiro desse homem? E a menina continuava sem receber nenhum dinheiro de pensão por parte do pai. Eu realmente não entendi se a atitude dessas pessoas havia sido uma provocação. Posteriormente, fiquei sabendo que a própria menina havia convidado sua avó, a mãe do criminoso, que, provavelmente, achou-se no direito de levar a família toda e, pior ainda, o pai de minha sobrinha. Joselita falou-me que não sabia nada sobre isso, tendo sido uma surpresa para ela também.

Depois que minha irmã havia voltado ao Brasil, comecei, novamente, a viajar com Jouko, conhecendo lugares belíssimos, uma vez que meus filhos já estavam independentes de mim, ou melhor, além de terem almoço na escola, já sabiam se virar com comidas prontas e com o micro-ondas.

No mês de novembro do mesmo ano, retornei ao Brasil a fim de trocar de apartamento em razão de ter acordado, um pouco menos de um ano antes, com um tiroteio ao lado do prédio na última vez em que lá estive. O local do tiroteio era um terreno baldio, cheio de mato. Apesar de a rua ser boa, infelizmente ainda havia esse terreno sem construção. A polícia estava à procura de dois assaltantes, os quais haviam se escondido justamente nesse local. Houve tiroteio, e uma bala passou de raspão pela janela de meu quarto, onde eu dormia com Anapaula e Adriana. Para nós, foi um grande motivo de preocupação e nos fez acelerar a venda do apartamento.


Nosso apartamento em Salvador

Procurei uma imobiliária, o que me deixou muito cansada, pois havia pessoas indo e vindo a toda hora para vê-lo. Nesse meio tempo, mandei buscar papai no Rio Grande do Sul porque eu já estava morrendo de saudades dele. Durante sua estadia em Salvador, era meu companheiro inseparável, íamos à praia, à feira para comprar frutas, verduras e peixes frescos. Papai sempre acordava bem cedo para comprar pão fresquinho na padaria Super Pão, que ficava perto de meu apartamento. Existiam muito carinho e ternura entre nós dois.

Padaria Super Pão, onde papai costumava ir para comprar pão bem fresquinho...

Uma vez fui à casa de minha irmã Regina, em Brotas, e retornei por volta das 23h. Já no caminho de volta, minha irmã Joselita ligou para Regina dizendo que eu deveria dar um tempinho para voltar para casa porque, ao lado do prédio, havia dois homens suspeitos. Mas era tarde demais, eu já havia saído. Ao me aproximar do prédio, percebi que minha irmã estava na janela gesticulando, pedindo para eu não parar, pois, se eu fosse abrir o portão, esses homens me pegariam. Como não sabia de nada, fiquei sem entender direito. Maria Antônia, minha sobrinha que estava comigo, percebeu imediatamente o que acontecia e pediu que seguisse adiante. No telefone público mais próximo, parei, liguei para casa e fiquei sabendo do ocorrido. Dirigi-me ao primeiro posto policial e avisei o que estava acontecendo. Os policiais foram para casa junto comigo e nada encontraram. Acredito que os suspeitos viram o carro da polícia e fugiram. Dessa vez, o susto foi grande porque tinha guardado em casa dinheiro e joias.

Depois de alguns dias, consegui vender o apartamento. O comprador me pagou uma parte em dólar americano e a outra parte, ou seja, sessenta por cento do valor, em cheque em moeda corrente brasileira que descontaria uma semana depois.

Passados três dias da realização da venda, estava assistindo ao Jornal Nacional na televisão quando ouvi, sem acreditar, que o dinheiro brasileiro havia sofrido uma desvalorização. Nessa brincadeira, como num passe de mágica, perdi mais do que vinte mil dólares. Foi um choque. Mesmo assim, comprei outro em uma rua melhor e em um andar mais alto.