Estava voando do Rio de Janeiro para Paris e não conseguia parar de chorar. O coração doía muito, apertado por mais uma vez ter que deixar meus filhos no Brasil. No avião, uma pessoa até chegou a falar para mim:
– Senhora, pode sentar-se aqui junto comigo? Gostaria de trocar de cadeira, pois minha filha, que está sentada ao seu lado, está muito incomodada de ver a senhora chorando o tempo todo.
Foto by M. Ferraz |
Aeroporto Charles de Gaulle - Paris (Foto hosted on Flickr)
Desembarquei no aeroporto Charles de Gaulle e me dirigi para o hotel onde Jouko havia feito uma reserva para mim. Ficaria três dias por lá para conhecer a cidade e esquecer um pouco de meu drama. Tomei um táxi e disse ao motorista o meu destino, mostrando-lhe o nome do hotel. Pouco tempo depois, ele me disse:
– Senhora, aqui está o seu hotel, dizia-me o motorista do táxi, parado em uma rua no centro de Paris. Ele abriu o porta-malas, mesmo eu não vendo nenhum hotel. Desci e retirei minha bagagem. Antes de qualquer reação, percebi que ele já tinha ido embora, deixando-me em uma rua, sem eu sequer falar inglês ou francês, em uma cidade estranha. O que fazer? O jeito era parar as pessoas e perguntar. Ninguém me entendia. Felizmente, apareceu um senhor que falava espanhol, o qual me disse que o motorista havia me deixado nos fundos do hotel. Finalmente no quarto, recebi um telefonema de Jouko:
– Alô, kulta[10], você fez boa viagem? Está tudo bem? – perguntou-me Jouko do outro lado da linha. Estava me ligando da Finlândia.
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[10] Significa querida em finlandês.
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– Não está tudo bem porque, além de ter me perdido quando cheguei aqui, esqueci no aeroporto uma mala contendo coisas importantes e não estou conseguindo nenhuma ajuda por parte do pessoal do hotel. Eles não fazem nenhum esforço para me entender, ou pelo menos para chamar um táxi para mim. – eu lhe respondi.
Minutos depois, Jouko ligou-me novamente dizendo que havia telefonado para a companhia aérea e que já haviam localizado minha mala, essa estava guardada no aeroporto. Desci novamente para a recepção esperançosa de que me ajudariam a conseguir um táxi. Sem sucesso, sentei-me no sofá chorando, pois estava muito sensível a esse tipo de situação, quando vi, em minha frente, um rapaz de boa aparência perguntando-me, em espanhol, se queria alguma ajuda. Disse-lhe o que estava acontecendo e, quando me dei conta, já estava entrando em seu carro. No caminho para o aeroporto e pensei: “Eu devo estar louca, pegando carona com uma pessoa que não conheço. E se ele quiser alguma coisa em troca? E se for um assaltante?” Continuei calada, rezando e pedindo a Deus que tudo desse certo. No aeroporto, ajudou-me a pegar a mala e trouxe-me de volta para o hotel, eu estava sã e salva.
Permaneci mais dois dias na cidade e não o vi mais.
Já na Finlândia, Jouko convidou-me para viajarmos para o Norte, a uma cidade chamada Kokkola, a fim de passarmos o Natal com sua irmã. Tudo era muito formal, a mesa, com comidas típicas, a decoração, muito bonita, sóbria e à luz de velas, a família elegantemente vestida, a música clássica ao fundo, tudo muito triste se comparado ao Natal que temos no Brasil. Era meu primeiro Natal na Finlândia, e a saudade que tinha de minha família doía demais.
Kokkola, uma pequena cidade bilíngüe localizada na Central Ostrobothnia no oeste da Finlândia, na costa do Golfo de Bothnia, no Mar Báltico (Foto Flickr by dntl)
Naquela época, apesar de já estar entendendo um pouco de inglês, iniciei um curso intensivo para que pudesse começar a comunicar-me melhor com as pessoas e, principalmente, com a família dele, que era tão boa para mim. Poder agradecer com minhas próprias palavras todo o apoio que estavam me dando, era tudo o que eu queria.
Certa vez, estava passando o final de semana em nossa casa de verão quando, um dia, acordei com a voz de seis crianças cantando: Tiina e Viola, sobrinhas de Jouko; Laura e Lina, filhas de Eeva, que é prima de Jouko; Sakari, também filho de um primo de Jouko; e Maria, uma amiguinha das crianças. Quando abri os olhos, estavam todos em minha frente cantando e tinham nas mãos um buquê de flores do campo. Meu marido estava atrás deles e disse-me que era dia dois de julho. Nessa data, as pessoas chamadas Maria celebram esse nome, data tão importante quanto o dia do próprio aniversário. A emoção foi muito forte quando me lembrei de que, por ironia do destino, aquelas crianças tinham a mesma idade de meus filhos, os quais estavam tão longe.
Alguns dias depois, recebi um telefonema do embaixador do Brasil, senhor José Augusto de Macedo Soares, convidando-me para trabalhar com ele na embaixada. Eu seria responsável pela parte de eventos. O trabalho ajudava-me a suportar tantas saudades que doíam muito em meu coração, sentimento que às vezes se tornava insuportável. Jouko, com muita paciência e muito amor, estava sempre ao meu lado. Algumas vezes, ele telefonava do trabalho dizendo que já havia reservado uma mesa em algum restaurante que tinha música ao vivo, pois sabia de minha paixão por música. Outras vezes, tomávamos um navio e íamos para a Suécia, ou, ainda, voávamos para a Holanda, Áustria e outros países. Certa vez, em uma dessas viagens, Jouko deu-me, dentro de uma terrina de prata, uma aliança de esmeraldas. Procurava fazer sempre alguma coisa para me distrair. Tudo só para tentar sanar a tristeza de estar longe de meus filhos.
Três longos meses haviam se passado, e a saudade de meus filhos crescia.
Quase todos os dias eu falava com eles pelo telefone, e, muitas vezes, a emoção era tão forte que nem conseguia conversar muito. Minha filha do meio, Adriana, procurava fazer sempre uma brincadeira, pois ela, mesmo com pouca idade, sabia e entendia meu sofrimento. Eu sabia que o amor que minha família dava para meus filhos era dobrado. Mas eu, longe deles, não conseguia ver uma criança sem acabar chorando.
Certo dia, eu recebi pelo correio um envelope que continha a certidão de meu divórcio. Fiquei contente porque era o que faltava para que meu casamento com Jouko pudesse ser realizado. Demos entrada imediatamente na documentação, pois eu acreditava que, casada, facilitaria a retirada de meus filhos do Brasil.
Os dias passavam lentamente, e eu dormia e acordava chorando. Trabalhava na Embaixada do Brasil das 10h da manhã às 2h da tarde. Uma vez, resolvi mandar trezentos dólares americanos para as despesas das crianças, enrolados em carbono, dentro de uma carta registrada para não pagar as altas taxas cobradas pelo banco. Passados alguns dias, recebi a mesma de volta, com um aviso do correio brasileiro de que a estava devolvendo por conter coisas proibidas. O dinheiro que eu havia mandado tinha desaparecido. E, pior ainda, os trezentos dólares foram substituídos por dez soles de ouro, dinheiro peruano que não valia nada. O que mais me irritou, além do roubo, foi o cinismo com que me retornaram a carta. Mandamos uma carta para a presidência do correio fazendo a reclamação. Nunca obtive nenhuma resposta. Continuei, então, a enviar dinheiro para meus filhos pelo banco como fazia antes.
Para ocupar meu tempo, além do curso de inglês, também comecei a estudar finlandês na Universidade de Helsinki. Foi muito difícil aprender essa língua, e algumas vezes eu parava de estudar para dar um tempo para minha cabeça. Eu achava tudo complicado, porém sabia que era mais um desafio a ser superado.
O finlandês tem fama de ser uma língua difícil, mas, mesmo assim, em várias partes do mundo existem pessoas que se interessam por estudá-lo. As motivações para estudar o finlandês são bastante variadas. Para muitas pessoas, o interesse é rigorosamente linguístico. O finlandês pertence às línguas finn-ugricas, que consistem no maior grupo das línguas uralianas.
Seus parentes linguísticos mais próximos são as outras línguas fino-bálticas, como o carélio, o estoniano e o livônico. Um dos outros parentes mais distantes do finlandês é o húngaro. O finlandês é um bom complemento para os currículos de estudantes de linguística. É possível estudar a língua finlandesa em cerca de noventa universidades localizadas em quase trinta países espalhados pelo mundo, como em quase todos os países europeus, na Ásia e na América do Norte. Há mais do que cem professores de finlandês e mais de dois mil estudantes nas universidades do mundo inteiro. Existe o ensino dessa língua em alguns departamentos de Linguística Geral, Estudos Escandinavos, Estudos Eslávicos e mesmo Estudos Orientais. Os estudantes mais avançados da língua e da cultura finlandesa podem ainda desenvolver seus conhecimentos nos cursos de verão intensivos na Finlândia, esses são gratuitos. A Finlândia tem duas línguas oficiais: o finlandês e o sueco, que é obrigatório. Os finlandeses têm muita facilidade em aprender também outros idiomas, como inglês, alemão, francês, russo e outros. Eu costumo dizer que aqui na Finlândia não se faz cursos de línguas. Aqui se aprende o idioma e se fala de verdade. Agora, com a União Europeia, estudam-se também o espanhol e o português.
Certo dia, nós estávamos em casa descansando e Jouko me disse:
– Maria José, quando li os jornais de hoje, eu vi que aquele atleta brasileiro que sofreu um acidente há algum tempo está na Finlândia como convidado de honra do Campeonato Mundial de Atletismo em Helsinki. O que você acha de o convidarmos para um jantar em nossa casa logo mais à noite?
Depois que falei com Jouko, procurei no jornal o número do hotel onde o atleta estava hospedado. Consegui falar com ele, e ficou tudo acertado. À noite, às 19h em ponto, Jouko e seu irmão estavam no hotel para trazer o atleta e seu amigo, Ademar Ferreira da Silva, que foi medalha de ouro nas Olimpíadas de Helsink, em 1952, no salto triplo. Nossa casa foi decorada com lindos arranjos de flores naturais e uma mesa com iguarias da culinária brasileira. Ali estavam o Adido Cultural da Embaixada Brasileira na Finlândia, a jornalista de uma revista finlandesa, meu cunhado e alguns amigos finlandeses, minha amiga e comadre Alice e alguns brasileiros. Assim que eles chegaram, esse atleta pediu-me um uísque, mas falou que não queria ser fotografado bebendo porque temia que a empresa responsável pelo patrocínio de sua viagem acabasse descobrindo. Tudo teria sido perfeito se ele não tivesse abusado da bebida. Não satisfeito em ser servido, olhou para a estante e pediu a garrafa de uísque que lá estava. Em um dado momento, começou a falar mal do governo brasileiro, falar palavrões horríveis, faltando até com o respeito às pessoas ali presentes, a mim e a meu marido. Ademar Ferreira da Silva, com muita classe e cavalheirismo, tentou contornar a situação explicando-lhe que estava em uma casa de família e nós havíamos o recebido com muito carinho. Mas de nada adiantou, só parou quando ficou completamente embriagado.
Meu marido, junto com outros homens que lá estavam, tiveram que carregá-lo para o carro, levando-o de volta para o hotel. A jornalista que lá estava para fazer a reportagem do jantar não conseguiu suportar aquela situação, pediu desculpas e retirou-se sem fazer a matéria.
Soubemos depois que, no hotel em que estava hospedado, havia batido na camareira do serviço de quarto. No dia seguinte, Ademar Ferreira mandou entregar em minha casa um buquê de rosas, pedindo mil desculpas pelo acontecido. Nunca mais ouvi falar dele depois desse episódio.
Sete longos meses passaram-se, e eu permanecia na Finlândia. Parecia uma eternidade. Alguns tempo depois, recebemos a autorização do Ministério das Relações Exteriores para que pudéssemos nos casar, pois, alguns meses antes, eu havia feito uma carta solicitando essa autorização. A carta falava que eu era uma pessoa idônea e que não tinha nenhum compromisso, ou melhor, que nada me impedia de selar esta união com Jouko. Duas pessoas do Brasil também tiveram que mandar cartas afirmando o mesmo.
Alguns meses depois, era celebrado o nosso casamento em um local reservado para encontro de chefes de Estado, em um hotel chamado Kalástajátorppa. Lá havia uma sala para a cerimônia, outra para os cumprimentos, e ainda outra sala onde seria servido o jantar. Tudo foi preparado com muito requinte e bom gosto. Tivemos como padrinhos o embaixador brasileiro e a embaixatriz, o cônsul e sua esposa, o irmão de Jouko e sua esposa. Como convidados, o Primeiro Secretário da Embaixada e a Senhora, alguns amigos mais íntimos e a família de Jouko.
As toalhas das mesas, os arranjos de flores, os assentos das cadeiras, a decoração dos pratos e até as cortinas da sala eram de cor azul-clara, combinando com a cor de meu vestido, que foi desenhado pela senhora Terezia-Diana de Macedo Soares, esposa do Embaixador do Brasil. A acomodação dos convidados seguiu um protocolo por causa dos diplomatas que lá estavam. Tudo foi organizado pela irmã de Jouko, que também trabalhava em embaixada. O menu[11] tinha nosso nome e a data. A língua usada foi o francês. A festa foi linda, com muito champanhe e boa comida. Foram servidos:
Mousse de langue de renne
Salada Waldorf
Sauce au cognac
Truite braisee
Vin - Valckenberg Liebfraumilch Madonna
Champanhe - Veuve Clicquot Brut
Moka
Gatêau de noce
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[11] Cardápio
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Tudo teria sido perfeito se não fosse a tristeza pela ausência de meus filhos e de minha família. Passamos a noite na suíte do hotel e depois viajamos em lua de mel.
Dias depois, Jouko precisou viajar à Polônia para uma conferência, e eu fui passar alguns dias em Estocolmo com minha cunhada até que ele retornasse.
Já que eu estava morando na Finlândia, precisei tirar uma carteira de motorista local e, para isso, fiz um curso para aprender sobre as leis de trânsito, como dirigir na neve e muitas coisas mais que são diferentes das leis do Brasil. O curso foi rigoroso, mas consegui minha carteira com validade até o ano de 2018, que, por sinal, é válida em todos os países da União Europeia, Ásia e África, além dos Estados Unidos e Canadá.
E assim o tempo foi passando e, depois de nove longos meses, meu advogado no Brasil ainda não havia conseguido solucionar o problema referente a meus filhos, mesmo tentando provar que meu ex-marido não dava nenhuma assistência material para as crianças e que nem as visitava. Uma vez, inclusive, meu filho menor ficou doente e minha irmã tentou falar com meu ex-marido, ele não deu nenhuma importância ao fato. Apesar disso, não faltava nada a meus filhos porque, daqui da Finlândia, eram enviadas semanalmente verbas para o sustento deles. Eles estudavam em colégios particulares, faziam cursos de natação e inglês, carro com motorista a disposição e uma babá, além de muito amor de minha família. Às vezes, eu me revoltava muito com a Justiça do Brasil. Esse pai biológico não cumpria com seus deveres e, mesmo assim, não recebia nenhum tipo de punição legal por sua omissão.
Mas, apesar de todos esses problemas, finalmente recebi uma boa notícia. Em um dia especial, estava sentada no sofá, chorando, por volta das cinco da tarde, quando meu marido entrou na sala sorrindo, pedindo para eu parar de chorar. Ele tinha nas mãos uma pasta contendo um documento o qual me pediu para ler. Fiquei sem fôlego quando vi que era um projeto de três anos e meio para ser desenvolvido no Brasil. Ajoelhei-me chorando, dessa vez, de alegria. Agradeci a Deus porque essa era a oportunidade que tínhamos de finalmente viver com nossos filhos sob o mesmo teto. Teríamos tempo de provar para a Justiça que eles tinham um verdadeiro pai.
Os dias passavam lentamente, e eu dormia e acordava chorando. Trabalhava na Embaixada do Brasil das 10h da manhã às 2h da tarde. Uma vez, resolvi mandar trezentos dólares americanos para as despesas das crianças, enrolados em carbono, dentro de uma carta registrada para não pagar as altas taxas cobradas pelo banco. Passados alguns dias, recebi a mesma de volta, com um aviso do correio brasileiro de que a estava devolvendo por conter coisas proibidas. O dinheiro que eu havia mandado tinha desaparecido. E, pior ainda, os trezentos dólares foram substituídos por dez soles de ouro, dinheiro peruano que não valia nada. O que mais me irritou, além do roubo, foi o cinismo com que me retornaram a carta. Mandamos uma carta para a presidência do correio fazendo a reclamação. Nunca obtive nenhuma resposta. Continuei, então, a enviar dinheiro para meus filhos pelo banco como fazia antes.
Para ocupar meu tempo, além do curso de inglês, também comecei a estudar finlandês na Universidade de Helsinki. Foi muito difícil aprender essa língua, e algumas vezes eu parava de estudar para dar um tempo para minha cabeça. Eu achava tudo complicado, porém sabia que era mais um desafio a ser superado.
O finlandês tem fama de ser uma língua difícil, mas, mesmo assim, em várias partes do mundo existem pessoas que se interessam por estudá-lo. As motivações para estudar o finlandês são bastante variadas. Para muitas pessoas, o interesse é rigorosamente linguístico. O finlandês pertence às línguas finn-ugricas, que consistem no maior grupo das línguas uralianas.
Seus parentes linguísticos mais próximos são as outras línguas fino-bálticas, como o carélio, o estoniano e o livônico. Um dos outros parentes mais distantes do finlandês é o húngaro. O finlandês é um bom complemento para os currículos de estudantes de linguística. É possível estudar a língua finlandesa em cerca de noventa universidades localizadas em quase trinta países espalhados pelo mundo, como em quase todos os países europeus, na Ásia e na América do Norte. Há mais do que cem professores de finlandês e mais de dois mil estudantes nas universidades do mundo inteiro. Existe o ensino dessa língua em alguns departamentos de Linguística Geral, Estudos Escandinavos, Estudos Eslávicos e mesmo Estudos Orientais. Os estudantes mais avançados da língua e da cultura finlandesa podem ainda desenvolver seus conhecimentos nos cursos de verão intensivos na Finlândia, esses são gratuitos. A Finlândia tem duas línguas oficiais: o finlandês e o sueco, que é obrigatório. Os finlandeses têm muita facilidade em aprender também outros idiomas, como inglês, alemão, francês, russo e outros. Eu costumo dizer que aqui na Finlândia não se faz cursos de línguas. Aqui se aprende o idioma e se fala de verdade. Agora, com a União Europeia, estudam-se também o espanhol e o português.
Certo dia, nós estávamos em casa descansando e Jouko me disse:
– Maria José, quando li os jornais de hoje, eu vi que aquele atleta brasileiro que sofreu um acidente há algum tempo está na Finlândia como convidado de honra do Campeonato Mundial de Atletismo em Helsinki. O que você acha de o convidarmos para um jantar em nossa casa logo mais à noite?
Depois que falei com Jouko, procurei no jornal o número do hotel onde o atleta estava hospedado. Consegui falar com ele, e ficou tudo acertado. À noite, às 19h em ponto, Jouko e seu irmão estavam no hotel para trazer o atleta e seu amigo, Ademar Ferreira da Silva, que foi medalha de ouro nas Olimpíadas de Helsink, em 1952, no salto triplo. Nossa casa foi decorada com lindos arranjos de flores naturais e uma mesa com iguarias da culinária brasileira. Ali estavam o Adido Cultural da Embaixada Brasileira na Finlândia, a jornalista de uma revista finlandesa, meu cunhado e alguns amigos finlandeses, minha amiga e comadre Alice e alguns brasileiros. Assim que eles chegaram, esse atleta pediu-me um uísque, mas falou que não queria ser fotografado bebendo porque temia que a empresa responsável pelo patrocínio de sua viagem acabasse descobrindo. Tudo teria sido perfeito se ele não tivesse abusado da bebida. Não satisfeito em ser servido, olhou para a estante e pediu a garrafa de uísque que lá estava. Em um dado momento, começou a falar mal do governo brasileiro, falar palavrões horríveis, faltando até com o respeito às pessoas ali presentes, a mim e a meu marido. Ademar Ferreira da Silva, com muita classe e cavalheirismo, tentou contornar a situação explicando-lhe que estava em uma casa de família e nós havíamos o recebido com muito carinho. Mas de nada adiantou, só parou quando ficou completamente embriagado.
Meu marido, junto com outros homens que lá estavam, tiveram que carregá-lo para o carro, levando-o de volta para o hotel. A jornalista que lá estava para fazer a reportagem do jantar não conseguiu suportar aquela situação, pediu desculpas e retirou-se sem fazer a matéria.
Soubemos depois que, no hotel em que estava hospedado, havia batido na camareira do serviço de quarto. No dia seguinte, Ademar Ferreira mandou entregar em minha casa um buquê de rosas, pedindo mil desculpas pelo acontecido. Nunca mais ouvi falar dele depois desse episódio.
Sete longos meses passaram-se, e eu permanecia na Finlândia. Parecia uma eternidade. Alguns tempo depois, recebemos a autorização do Ministério das Relações Exteriores para que pudéssemos nos casar, pois, alguns meses antes, eu havia feito uma carta solicitando essa autorização. A carta falava que eu era uma pessoa idônea e que não tinha nenhum compromisso, ou melhor, que nada me impedia de selar esta união com Jouko. Duas pessoas do Brasil também tiveram que mandar cartas afirmando o mesmo.
Alguns meses depois, era celebrado o nosso casamento em um local reservado para encontro de chefes de Estado, em um hotel chamado Kalástajátorppa. Lá havia uma sala para a cerimônia, outra para os cumprimentos, e ainda outra sala onde seria servido o jantar. Tudo foi preparado com muito requinte e bom gosto. Tivemos como padrinhos o embaixador brasileiro e a embaixatriz, o cônsul e sua esposa, o irmão de Jouko e sua esposa. Como convidados, o Primeiro Secretário da Embaixada e a Senhora, alguns amigos mais íntimos e a família de Jouko.
Hotel Hilton Kalástajátorppa (Foto Flickr by rp72)
lobby do Kalástajátorppa |
Cerimônia do nosso casamento |
Jantar após o casamento |
As toalhas das mesas, os arranjos de flores, os assentos das cadeiras, a decoração dos pratos e até as cortinas da sala eram de cor azul-clara, combinando com a cor de meu vestido, que foi desenhado pela senhora Terezia-Diana de Macedo Soares, esposa do Embaixador do Brasil. A acomodação dos convidados seguiu um protocolo por causa dos diplomatas que lá estavam. Tudo foi organizado pela irmã de Jouko, que também trabalhava em embaixada. O menu[11] tinha nosso nome e a data. A língua usada foi o francês. A festa foi linda, com muito champanhe e boa comida. Foram servidos:
Mousse de langue de renne
Salada Waldorf
Sauce au cognac
Truite braisee
Vin - Valckenberg Liebfraumilch Madonna
Champanhe - Veuve Clicquot Brut
Moka
Gatêau de noce
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[11] Cardápio
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Tudo teria sido perfeito se não fosse a tristeza pela ausência de meus filhos e de minha família. Passamos a noite na suíte do hotel e depois viajamos em lua de mel.
Dias depois, Jouko precisou viajar à Polônia para uma conferência, e eu fui passar alguns dias em Estocolmo com minha cunhada até que ele retornasse.
Já que eu estava morando na Finlândia, precisei tirar uma carteira de motorista local e, para isso, fiz um curso para aprender sobre as leis de trânsito, como dirigir na neve e muitas coisas mais que são diferentes das leis do Brasil. O curso foi rigoroso, mas consegui minha carteira com validade até o ano de 2018, que, por sinal, é válida em todos os países da União Europeia, Ásia e África, além dos Estados Unidos e Canadá.
E assim o tempo foi passando e, depois de nove longos meses, meu advogado no Brasil ainda não havia conseguido solucionar o problema referente a meus filhos, mesmo tentando provar que meu ex-marido não dava nenhuma assistência material para as crianças e que nem as visitava. Uma vez, inclusive, meu filho menor ficou doente e minha irmã tentou falar com meu ex-marido, ele não deu nenhuma importância ao fato. Apesar disso, não faltava nada a meus filhos porque, daqui da Finlândia, eram enviadas semanalmente verbas para o sustento deles. Eles estudavam em colégios particulares, faziam cursos de natação e inglês, carro com motorista a disposição e uma babá, além de muito amor de minha família. Às vezes, eu me revoltava muito com a Justiça do Brasil. Esse pai biológico não cumpria com seus deveres e, mesmo assim, não recebia nenhum tipo de punição legal por sua omissão.
Mas, apesar de todos esses problemas, finalmente recebi uma boa notícia. Em um dia especial, estava sentada no sofá, chorando, por volta das cinco da tarde, quando meu marido entrou na sala sorrindo, pedindo para eu parar de chorar. Ele tinha nas mãos uma pasta contendo um documento o qual me pediu para ler. Fiquei sem fôlego quando vi que era um projeto de três anos e meio para ser desenvolvido no Brasil. Ajoelhei-me chorando, dessa vez, de alegria. Agradeci a Deus porque essa era a oportunidade que tínhamos de finalmente viver com nossos filhos sob o mesmo teto. Teríamos tempo de provar para a Justiça que eles tinham um verdadeiro pai.
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