TRILHANDO NOVOS CAMINHOS (parte 1)

Deixei meus filhos no Conde com minha família e voltei para Feira de Santana, pois lá tinha muitos conhecidos que poderiam me ajudar a conseguir um emprego. No início foi um pouco difícil, mas, depois de algum tempo, arranjei um trabalho em um escritório de um criador de cavalos de raça e gado.

Morava em um pensionato. O que eu ganhava dava para minha sobrevivência e para ajudar meus pais com as despesas das crianças. Não via a hora de chegar os finais de semana para visitar meus filhos. Era muito cansativo para mim porque eu tinha que estar de volta ao trabalho às segundas de manhã, já que era a responsável pelo escritório.

Lembro-me de que, nessa época, mamãe viajou para São Paulo de ônibus na tentativa de encontrar seu irmão que tinha ido trabalhar lá desde moço e que nunca havia dado notícias. Só com o endereço de um afilhado que morava em São Paulo e sem nunca ter saído da Bahia, mamãe não hesitou quando alguém lhe falou que havia visto um mendigo muito parecido com seu irmão embaixo de um viaduto daquela cidade. Edvaldo era o nome de seu irmão querido. Foi aconselhada a não ir porque não tinha certeza de que era ele e, principalmente, já estava diabética, e uma viagem tão longa talvez não fosse lhe fazer bem. Mas nada, nem ninguém a impediu. Como ela mesma falou, iria até à China para encontrá-lo. Chegando a São Paulo, seu afilhado já a aguardava na Rodoviária. No dia seguinte, foi à luta. Nas ruas dessa cidade, procurava desesperadamente seu irmão. Conversava com todos os mendigos que encontrava. Certo dia, já exausta e sem esperanças, decidiu que só iria para as ruas procurá-lo por mais aquele dia e, no seguinte, retornaria para a Bahia. Foi, então, às ruas, tentar achá-lo pela última vez, até que percebeu que um mendigo, embaixo de um viaduto, sentado dentro de uma caixa de papelão, olhava-a muito. Ela, sem fôlego, cruzou seu olhar com o dele e não teve dúvidas: aquele era seu irmão! Ele tentou correr, mas foi contido por mamãe e seu afilhado. Depois de muitas perguntas e súplicas, resolveu confessar que era seu irmão. Minha mãe, emocionada e com o coração cheio de alegria, levou-o para a casa onde estava hospedada, deu-lhe um longo banho, cortou-lhe os cabelos, as unhas e vestiu-o com roupas novas. Meu tio contou para mamãe que já estava nas ruas como pedinte havia muitos anos, desde quando perdeu o emprego que tinha em uma padaria e ficou com vergonha de voltar para a Bahia e até mesmo de pedir ajuda para a família.

Viaduto em São Paulo

Fotos via Google

Cheguei ao Conde na sexta-feira à noite, vinda de Feira de Santana, onde eu trabalhava. A casa era uma festa só, cheia de gente entrando e saindo. Vovó até chorava de alegria, pois havia muito tempo que não via o filho. Quando olhei para ele, reconheci-o imediatamente, apesar de ser ainda criança quando partiu. Foram quarenta e cinco dias de intensa alegria. Todos os dias meu tio sentava-se à mesa e falava:

– Como é bom ter família! Como é bom sentar em uma mesa e comer uma comida quentinha e gostosa! Como é bom ter uma cama limpinha e cheirosa para descansar e dormir! Como é bom ter o carinho da família e dos amigos!

Infelizmente essa alegria durou pouco. Um dia, meu tio sentiu uma dor de cabeça forte, e o médico diagnosticou um tumor maligno no cérebro. A doença já havia se espalhado para os órgãos vitais, e meu tio teria no máximo dois meses de vida. Passados pouco mais de dois meses, eu estava no trabalho quando recebi a terrível notícia de sua morte. Ele tinha apenas quarenta e cinco anos. Quanta tristeza para vovó, mamãe e todos da família! Morreu nos braços de mamãe, agradecendo a oportunidade de abraçar seus familiares.

Foi nessa mesma época que comecei a namorar um grego que vivia há muito tempo no Brasil e trabalhava na mesma empresa onde eu havia trabalhado antes. Era uma pessoa muito difícil, metódica e cheia de manias, mas pelo menos eu tinha uma companhia. Não me ajudava em nada e também não aceitava meus filhos. Terminei com ele, deixei o emprego e fui tentar a sorte em Salvador porque, pelo menos, lá eu estaria perto de pessoas de minha família.

Fui morar na casa de minha irmã Isabel. Ela e o marido tratavam-me muito bem, mas eu precisava trabalhar. Fiz um teste para o setor de compras da Usiba, empresa sediada na Br-324. Disseram-me que tinha me saído bem no teste, mas que ligasse depois de dois dias para saber o resultado. Quando liguei, soube que a vaga havia sido preenchida por uma pessoa que já trabalhava lá:

– Senhora, desculpe-me a curiosidade. Estou vendo que a senhora está muito triste e muito ansiosa ao telefone. Posso ajudar em alguma coisa? – perguntou-me um senhor de meia idade que estava atrás de mim na fila.

Nós nos sentamos em um banco ao lado, e disse-lhe a razão de minha tristeza. Queria e precisava conseguir um trabalho.

– Aqui está meu cartão. – disse-me ele com o braço estendido. – Sou gerente de uma empresa. Não temos vagas no momento, mas entre em contato comigo amanhã e verei se encontro alguma coisa para a senhora.

E, dessa maneira, arrumei um novo emprego. A empresa era sediada na Br-324, a trinta quilômetros de Salvador. Lá, comecei a trabalhar no Departamento Pessoal e, como a empresa reconheceu meu desempenho, fui convidada a fazer um curso de aperfeiçoamento na área de Departamento Pessoal e Psicologia em Salvador no IOB (Instituto de Informações Objetivas). Logo que concluí o curso, fui promovida para chefiar o setor.

Foto via Google

Estava feliz, tinha um bom salário e todos os finais de semana ficava ansiosa para rever meus filhos no Conde, onde já frequentavam a escolinha. Algum tempo depois, minha irmã Litinha mudou-se para Salvador em razão de seu divórcio com um de nossos primos. Uma separação fraudulenta e confusa, pois só o marido dela teve advogado. Com isso, ela foi enganada sem dó nem piedade pelo marido e pelo irmão dele, que também era seu sócio e administrava todos os bens deles. Joselita, muito ingênua, com pouco estudo e tendo se casado aos catorze anos sem experiência de vida, não entendia nada dos negócios da família, que incluíam desde exportação de côco a caminhões para transporte do mesmo aos supermercados. Como resultado do divórcio, ele não lhe pagou pensão, deu-lhe uma casa pequena e um carro velho, que ela aceitou justamente por ser muito ingênua e não saber dos direitos que tinha, e ainda com três filhas pequenas para criar.

Eu, por outro lado, continuava contente com meu trabalho. Depois de algum tempo, comecei a perceber o assédio de meu gerente, mesmo assim contornava essa situação, sempre com muita diplomacia, fazendo de conta que não estava entendendo nada. Precisava, a qualquer custo, manter aquele trabalho uma vez que era a minha sobrevivência e de meus filhos.

Certo dia, eu conheci, em uma auditoria na empresa, uma pessoa de Fortaleza, um economista simpático e charmoso. Começamos a namorar. Era uma relação sigilosa pelo fato de ele ser auditor na mesma empresa em que eu trabalhava, mas, por infelicidade, meu gerente descobriu nossa relação e reforçou o assédio:

– Por favor, dona Maria José, venha até minha sala agora! – pediu-me o gerente.

Quando lá cheguei, ele trancou a porta da sala e tentou me abraçar e beijar. É lógico que reagi e, como ele era meu chefe, no outro dia, eu já estava na rua, sem trabalho e com três filhos para sustentar. Continuei a morar com minha irmã Litinha em um apartamento no bairro do Canela, ao lado da floricultura Florânia, em Salvador. Com o dinheiro que recebi da rescisão de contrato, tive a ideia de viajar para Fortaleza e comprar roupas para revender nas cidades de Salvador, Esplanada, Alagoinhas e Conde. Eu as vendia sem nenhuma garantia, confiando nas pessoas, mesmo depois de tudo que eu já havia passado. Ainda não tinha aprendido a lição. A cada dia que passava, as dívidas aumentavam. Para completar, fiquei sabendo que o auditor que eu namorava era casado e tinha dois filhos.