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Sunday, May 26, 2013

Conde, o início da Trilha (parte 1)

Nosso pai José, eu e minha irmã gêmea Joselita

O jovem agricultor José, sem dinheiro no bolso, sem casa, sem nenhuma perspectiva de um futuro melhor e com apenas dezoito anos, desafiou os pais, venceu a tudo e a todos se casando com Elita, uma jovem de apenas dezesseis anos, também pobre, filha de um simples pescador casado com uma dona de casa que não sabia ler e nem escrever. Elita era descendente de negro e índio, e essa era a razão do descontentamento da família de José em relação a essa união. A discriminação foi grande por parte dessa família que, apesar de também ser pobre, tinha descendência de espanhóis, o que era, para eles, motivo de orgulho. Entretanto, o amor desse jovem casal foi mais forte do que tudo.
Eu e minha irmã gêmea Joselita
Eu e minha mãe Elita, saudades eternas...

Um ano depois, em uma tarde chuvosa do dia 13 de julho de 1948, a família do jovem casal aumentou com a chegada das primeiras filhas que eram gêmeas. Nasciam, em uma vila pobre de pescadores, chamada Sítio do Conde, no Estado da Bahia, duas meninas: Maria José e Joselita. Naquela época, por não haver nenhuma tecnologia nessa cidade, José não tinha como saber que Elita daria à luz duas filhas ao mesmo tempo.

Eu fui a primeira a nascer, recebendo o nome de Maria José. Dez minutos depois, nascia a minha irmã, Joselita, que recebeu esse nome em razão da união dos nomes de nossos pais: José e Elita.

Após dois anos, nascia mais um filho e, depois, outra filha e, assim, passados doze anos, a família já estava completa com oito filhos.

Nossa casa era de chão batido e telhado de palha de coqueiro. Não tinha eletricidade, a luz era de candeeiros e não havia saneamento básico. Dormíamos em jiraus, que eram camas feitas de toros de madeira cobertos com palha de coqueiro. Apesar de sermos bem pobres, nossa mesa era sempre farta, pois meu pai trabalhava duro, quase não tinha tempo para dormir. Pescava, tinha roça com legumes variados, hortaliças e frutas. Tínhamos muitas árvores frutíferas como mangueiras, goiabeiras, pés de carambola e coqueiros. Nesse lar, além de três quartos, havia outra entrada que papai aproveitou para montar um armazém, a fim de aumentar o orçamento doméstico. Como não tínhamos brinquedos, construíamos casinhas com palhas secas dos coqueiros e, aos domingos, fazíamos nelas piqueniques com a comida que mamãe nos dava para cozinhar nas nossas panelinhas de barro, em um fogão a lenha.

Minha avó materna, viúva, com uma filha também pequena, ajudava muito meu pai, era seu braço direito. Além disso, trabalhava nos afazeres da casa. A família, portanto, era constituída de doze pessoas: papai, mamãe, minha avó materna e nove crianças. Sentávamos todos à mesa e, antes de começar a refeição, rezávamos em agradecimento a Deus pelo alimento.

Essa casa tinha pertencido a uma velhinha muito amiga da família. Por isso, quando papai a comprou, além de um precinho bem camarada, teve condições de pagamento bastante flexíveis. Aos poucos, ele foi consertando e melhorando nosso lar. Após a morte da velhinha, passado algum tempo, um de nossos irmãos nasceu, e, como naquela época as mulheres tinham filhos em casa, papai teve que dormir no corredor, em uma esteira, porque a cama de casal estava ocupada com mamãe e o bebê. Papai conta que, nesse dia, sonhou com a velhinha, que lhe dava a localização de uma grande panela de ferro enterrada com muitas jóias. No dia seguinte, papai contou essa história, ele estava um pouco assustado e temeroso, pois, esse sonho lhe parecia bastante real. Decidiu não procurar tal tesouro. Algum tempo depois, alguém na cidade estava vendendo joias antigas e dizendo que as tinha recebido de herança de uma pessoa morta. Ainda existem pessoas na cidade que acreditam que teria sido essa a herança oferecida a papai no sonho.

Depois de algum tempo, com o fruto do trabalho de meu pai, conseguimos comprar uma casa de tijolos e telhado de verdade. Essa era simples, com três quartos, duas salas, um grande corredor, cozinha com fogão a lenha e quintal, porém nessa casa não havia nem banheiro e nem energia elétrica. Éramos uma família humilde, mas havia algo que nos diferenciava de todas as famílias do Sítio do Conde, o fato de existirem duas filhas gêmeas idênticas, o que causava algumas situações pitorescas.

Rinha de Galo

Num certo dia, recebemos a visita de um moço que morava em outra cidade e estava pela primeira vez em nossa casa para comprar um galo de briga, esse fazia parte da coleção que papai criava. A briga de galo, conhecida também como rinha, era, naquela época, um acontecimento esperado todos os domingos. As pessoas agrupavam-se em volta da rinha, apostavam dinheiro nos galos considerados imbatíveis e, com isso, passavam o tempo. O referido moço, ao chegar à nossa casa, dirigiu-se, intrigado, a nosso pai:

– Sr. José, o que está acontecendo? Estou tendo uma alucinação? Vi agora, na entrada, uma linda menina de trancinhas, vestida de branco, rindo para mim. Falei com ela, que me disse que o senhor estava a minha espera. Mandou-me entrar, e agora estou vendo ela aqui na minha frente. Tenho certeza de que ela não entrou comigo.

Papai respondeu ao moço:

– Essa menina sempre esteve aqui comigo na sala de jantar, e o senhor deve ter visto nossa outra filha.

– Que outra? - perguntou o homem surpreso.

– A irmã gêmea dessa que está aqui. - respondeu meu pai.

– Ah, sim? E como se chama essa menina?

Papai, confuso, não soube responder:

– Senhor, na verdade, não sei se é Maria José ou Joselita, pois só as diferencio através de um sinal praticamente invisível que Maria José tem no queixo e que só consigo identificar quando as duas estão juntas em minha frente.

– Sabe, senhor – dizia papai ainda ao moço –, essas duas meninas são meu tesouro e meu orgulho. Faço questão que tenham o mesmo penteado, os mesmos tipos de roupas e sapatos e até o mesmo comportamento.

Felizmente, para papai, não era preciso nenhum esforço por parte dele para que isso acontecesse, pois nós éramos literalmente iguais.

Lembro-me ainda de que, naquela época, além de frequentarmos a escola, tínhamos que ajudar a cuidar de nossos irmãos pequenos, lavar roupas na fonte, buscar lenha para o fogão e água nas cisternas da vizinhança para abastecer a casa. À tardinha, com um tabuleiro na cabeça, saíamos às ruas para vender as cocadas e os doces feitos por nossa avó. E, como qualquer criança, éramos cheias de energia e vivíamos aprontando. Em nossas artes, levávamos broncas de papai:

– Desçam já as duas, agora! Vou dar uma surra em vocês! Onde já se viu vir da escola ainda com uniforme e subir nessa árvore para comer cruiri? Sua mãe está com o almoço pronto esperando por vocês.

Minha irmã falou para mim:
– Iaiá, desça você primeiro.
– Desça você porque a ideia foi sua! – respondi.

Em vez de descer, ela pulou da árvore e teve um corte muito feio na coxa esquerda. Desci devagarzinho e tomei uma boa surra de meu pai, que estava a minha espera com uma cinta na mão. Minha irmã foi poupada da surra em razão do ferimento na perna. Foi a última vez que subimos naquela árvore. Nessa época, tínhamos apenas sete anos.




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