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Thursday, June 20, 2013

CHILE - ÚLTIMA PARTE

No Chile, há uma cidade chamada Iquique, que é porto-livre, ou seja, as mercadorias importadas são livres de impostos. Pode-se encontrar de tudo por lá, desde bebida alcoólica até cristais alemães, bolsas e sapatos italianos. Estava situada a mais ou menos cinco horas de carro de nossa cidade. Em um final de semana, viajamos com as crianças para essa cidade. O hotel era muito bonito, um resort com chalés localizados bem na beira do mar. No dia seguinte de nossa chegada, depois do café da manhã, fomos para esse centro fazer compras. Fiquei encantada com as coisas que eram vendidas lá, tinha até toalhas bordadas da Ilha Madeira. Lembro-me de que comprei muitas coisas, inclusive um computador para as crianças, e, quando chegamos à aduana, tivemos que pagar um imposto muito alto porque havíamos excedido nossa cota. Mas, por sorte, tínhamos uma amiga, Ester, que era diretora da aduana e quando ficou sabendo do acontecido, providenciou a devolução imediata da quantia que havíamos pagado porque essas taxas não deveriam ser aplicadas para estrangeiros.

IQUIQUE - NORTE DO CHILE

Foto via skyscrapercity

Cassino.  Foto via skyscrapercity

Foto via skyscrapercity

Eu com meus filhos em Iquique
com amigos em restaurante em Iquique

Já de volta a nossa cidade, certa noite, por haver comido frutos do mar demais e tomado Pisco Sauer, uma bebida típica chilena, acordei às duas e meia da manhã com terríveis dores no estômago em razão de cálculos que tinha na vesícula, descobertos alguns anos antes em São Paulo. Com medo, não quis operar na época. Nessa noite, Jouko não estava. As crianças e a empregada estavam dormindo, não quis acordá-las. Resolvi, então, sair sozinha para chamar um táxi na rua, pois ainda não haviam instalado telefone em nosso apartamento, e o carro estava com Jouko em Calama, cidade onde ele fazia o projeto. Chegando à rua, olhei para o lado onde ficava o ponto de táxi. Não vendo nenhum, comecei a caminhar em direção ao Quartel Militar que tinha em frente ao nosso prédio. Atravessei a rua e dirigi-me ao policial militar que, àquela altura, já estava com a arma apontada para mim, dizendo:

– Senhora, fique onde está porque tenho ordem de atirar em qualquer pessoa que se aproxime de nossa área a essa hora da noite.

Eu sentia muitas dores, dores tão fortes que nem escutava direito o que o militar falava. Continuava andando na direção dele porque queria um telefone para chamar um táxi ou mesmo uma ambulância. Lembro-me de que estava um pouco escuro, mas percebia que o policial vinha em minha direção já com a arma, uma escopeta, engatilhada para mim. Não pensei duas vezes quando segurei a arma, olhando para ele, chorando e pedindo:

– Por favor, senhor, ajude-me! Sinto muitas dores e preciso de um médico!

Nessa hora, ele correu em direção à guarita para telefonar. Foi aí que me dei conta de que, àquela altura, eu poderia estar morta. Se isso acontecesse, haveria, no máximo, problemas diplomáticos entre os dois países e logo tudo seria esquecido. O militar voltou alguns minutos depois, com uma cadeira, dizendo que a ambulância já estava chegando.

– Senhora, tenho ordem para matar, mas jamais uma mulher indefesa e passando mal. Talvez, se fosse outro colega, a senhora não teria tido a mesma sorte.

Era o Chile escrevendo um dos capítulos mais bárbaros de sua história: a ditadura militar de Pinochet.

No hospital, já medicada, o médico disse-me que tive muita sorte porque o policial poderia ter me matado e nada poderia ter sido feito, mesmo eu sendo estrangeira e protegida pelo governo finlandês. Os médicos queriam me operar na mesma noite, mas não aceitei porque não confiava na assistência médica de lá, e só faltavam poucos meses para nosso retorno à Finlândia. Consegui me recuperar da crise com dietas.

Depois de cerca de um ano morando no Chile, estávamos de malas prontas. 

Dentro em pouco, esse país faria parte de nosso álbum de recordações. Dois dias antes de partir, fiz um jantar para nossos amigos. Minha empregada, já chorando de saudades pelos cantos, fez uma decoração linda no apartamento com flores naturais de cores variadas, chamadas hibiscus, que havia em abundância no jardim do prédio. Fez também colares de flores para serem colocados nos pescoços das mulheres e chapéus feitos em papel crepom, para os homens. A comida ficou por conta de um bufê, e a festa foi animada com músicas brasileiras. Um de nossos amigos tocava violão e cantava canções chilenas. No dia seguinte, recebi um recado do Banco de Santiago, do qual eu era cliente. O gerente pedia-me que fosse ao banco por volta das 16h. Quando lá cheguei, tive uma grande surpresa. Em uma sala reservada, havia uma mesa com doces e salgados variados e os funcionários do banco reunidos. Prepararam uma despedida para mim.
Festa de nossa despedida

Mesa com doces e salgados variados, preparados pelo Banco de Santiago

Na manhã seguinte, dia de nossa viagem, o caminhão veio buscar a mudança. Durante minha estadia no Chile, eu havia comprado coisas lindas, inclusive móveis, quadros e coisas em cobre e bronze para decoração. Ao meio-dia, nossos vizinhos e amigos, Maria Theresa, seu marido, Eduardo, e os filhos foram nos buscar para almoçar na casa deles e nos levar ao aeroporto. 

Quando lá chegamos, fizemos nosso check in. Maria Theresa falou que ainda tínhamos mais de uma hora para o embarque e poderíamos ir para a sala vip. Estranhei porque só eu e minha família tínhamos direito a essa sala, uma vez que éramos nós que iríamos viajar, e não eles. O marido de Maria Theresa, então, falou que eles também tinham conseguido uma autorização para entrarem junto conosco através daquela nossa amiga Ester, diretora da aduana. Quando entramos, a emoção foi muito grande ao ver todos os nossos amigos lá à nossa espera. Fomos recebidos com uma canção lindíssima feita para os estrangeiros que passavam por aquele país. Havia uma mesa com salgadinhos e bebidas. Em um dado momento, uma pessoa entregou-me um presente em nome de todos. Era um grande prato de parede, feito de bronze, a mão, por um artista famoso do Chile. Na parte de trás, continha a assinatura de todos ali presentes. Não consegui conter as lágrimas ao ver tantas demonstrações de carinho daquelas pessoas. Finalmente chegou a hora de nossa despedida, e, quando estávamos subindo a escada do avião, olhamos para trás e vimos que todos nos acenavam com lencinhos. Decolamos levando no coração uma grande saudade daquele povo amigo e hospitaleiro. 

Em Santiago, tomamos o vôo para São Paulo com uma escala em Montevidéu. E, assim, finalizamos nossa estadia no Chile.

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