Imagem via Google |
Naquela época, por sermos as únicas gêmeas da cidade, éramos muito solicitadas para todos os eventos importantes daquele lugar. Certa vez, dona Júlia, a beata da igreja, fez um pedido a papai que veio falar conosco:
– Filhas, dona Júlia me pediu permissão para que vocês façam a coroação de Nossa Senhora no dia 3l de maio. Falei que sim porque acredito que vocês conseguirão fazer bonito: irão de vestido branco, longo e com uma coroa de flores naturais na cabeça.
A igreja estava lotada para ver as gêmeas, as únicas da cidade. A curiosidade era geral, faziam até apostas para identificar quem era quem, mas ninguém conseguia adivinhar. Todos os olhares estavam voltados para nós. Tínhamos até a mesma voz e, como papai queria, fizemos bonito. A partir daí, entramos para o coral da igreja e passamos a participar de todos os seus eventos, sempre com o apoio e o orgulho de nossos pais.
Tudo era festa, até mesmo na hora do trabalho. Nós preparávamos beijus[1] e contávamos com a ajuda de uma amiga e vizinha de mamãe, tia Cota, para a raspagem da mandioca. Ela não tinha filhos, cuidava de nossa irmã Isabel como se fosse sua própria filha e nos ajudava na época da safra.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------[1] Tipo de bolo feito com a goma da tapioca ou da massa de mandioca assada.
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Goma de Tapioca (Imagem via Google) |
Beijú de tapioca com recheio de queijo (Imagem via Google) |
Beiju de tapioca molhado com leite de côco (Imagem via Google) |
beijú de tapioca seco (Imagem via Google) |
Para fazer a farinha, era necessária toda uma noite de trabalho. Cantávamos, contávamos piadas e, ao amanhecer, íamos para a Casa de Farinha levar as massas. Depois, íamos para o mato procurar lenha para o grande forno em que torrávamos a farinha. No final, o que mais gostava era dos beijus preparados por mamãe com a tapioca fresca extraída da massa da mandioca. Tínhamos esse doce por vários dias.
Casa de Farinha (foto mostra forno onde é torrada a farinha de mandioca e onde são assados os beijús). Imagem via Google |
Ainda tínhamos, em casa, todos os anos, a comemoração do Dia de Santa Cruz. Fazíamos muitos bolos e iguarias para serem leiloados na noite da festa, depois da reza. Papai também leiloava porcos, carneiros e galinhas gordas. A mesa era repleta de iguarias, como, por exemplo, vatapá[1], caruru[2], moqueca de peixe fresco, moqueca de camarão, efó[3], acarajé, abará[4], bolo de puba[5], bolo de tapioca, bolo de aipim, milho verde, beiju, pamonha, cocada queijadinha, bolachinha de goma e cocadinha branca. Os convidados chegavam e tomavam seus lugares na sala para dar início à reza. O altar era muito bonito, enfeitado com papel crepom e muitas flores. Depois da reza, começavam os comes e bebes e, finalmente, os fogos de artifício e o leilão, que eram as principais atrações da festa. Vinham pessoas das redondezas, principalmente para conhecer as gêmeas, que eram incrivelmente iguais. Depois havia sempre um forró para animar.
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[1] Prato típico da cozinha da Bahia.O seu preparo pode incluir pão molhado ou farinha de rosca, fubá, gengibre, pimenta-malagueta, amendoim, castanha de caju, leite de coco, azeite-de-dendê,cebola e tomate.
Vatapá |
Carurú |
[3] Prato típico da cozinha da Bahia. É feito com camarão seco, verdura (espinafre ou mostarda), cebola, alho, pimenta e coentro.
Efó |
Abará
[5] Puba é uma massa extraída da mandioca fermentada e largamente utilizada na produção de bolos, biscoitos e diversas outras receitas típicas do norte-nordeste brasileiro
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Puba |
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