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Tuesday, May 28, 2013

Conde, o início da Trilha (parte 3)

Imagem via Google
Naquela época, por sermos as únicas gêmeas da cidade, éramos muito solicitadas para todos os eventos importantes daquele lugar. Certa vez, dona Júlia, a beata da igreja, fez um pedido a papai que veio falar conosco:

– Filhas, dona Júlia me pediu permissão para que vocês façam a coroação de Nossa Senhora no dia 3l de maio. Falei que sim porque acredito que vocês conseguirão fazer bonito: irão de vestido branco, longo e com uma coroa de flores naturais na cabeça.

A igreja estava lotada para ver as gêmeas, as únicas da cidade. A curiosidade era geral, faziam até apostas para identificar quem era quem, mas ninguém conseguia adivinhar. Todos os olhares estavam voltados para nós. Tínhamos até a mesma voz e, como papai queria, fizemos bonito. A partir daí, entramos para o coral da igreja e passamos a participar de todos os seus eventos, sempre com o apoio e o orgulho de nossos pais.

Tudo era festa, até mesmo na hora do trabalho. Nós preparávamos beijus[1] e contávamos com a ajuda de uma amiga e vizinha de mamãe, tia Cota, para a raspagem da mandioca. Ela não tinha filhos, cuidava de nossa irmã Isabel como se fosse sua própria filha e nos ajudava na época da safra.
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[1] Tipo de bolo feito com a goma da tapioca ou da massa de mandioca assada.
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Goma de Tapioca (Imagem via Google)
Beijú de tapioca com recheio de queijo (Imagem via Google)

Beiju de tapioca molhado com leite de côco (Imagem via Google)

beijú de tapioca seco (Imagem via Google)
Para fazer a farinha, era necessária toda uma noite de trabalho. Cantávamos, contávamos piadas e, ao amanhecer, íamos para a Casa de Farinha levar as massas. Depois, íamos para o mato procurar lenha para o grande forno em que torrávamos a farinha. No final, o que mais gostava era dos beijus preparados por mamãe com a tapioca fresca extraída da massa da mandioca. Tínhamos esse doce por vários dias.

Casa de Farinha (foto mostra forno onde é torrada a farinha de mandioca e onde são assados os beijús). Imagem via Google

Ainda tínhamos, em casa, todos os anos, a comemoração do Dia de Santa Cruz. Fazíamos muitos bolos e iguarias para serem leiloados na noite da festa, depois da reza. Papai também leiloava porcos, carneiros e galinhas gordas. A mesa era repleta de iguarias, como, por exemplo, vatapá[1], caruru[2], moqueca de peixe fresco, moqueca de camarão, efó[3], acarajé, abará[4], bolo de puba[5], bolo de tapioca, bolo de aipim, milho verde, beiju, pamonha, cocada queijadinha, bolachinha de goma e cocadinha branca. Os convidados chegavam e tomavam seus lugares na sala para dar início à reza. O altar era muito bonito, enfeitado com papel crepom e muitas flores. Depois da reza, começavam os comes e bebes e, finalmente, os fogos de artifício e o leilão, que eram as principais atrações da festa. Vinham pessoas das redondezas, principalmente para conhecer as gêmeas, que eram incrivelmente iguais. Depois havia sempre um forró para animar.
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[1] Prato típico da cozinha da Bahia.O seu preparo pode incluir pão molhado ou farinha de rosca, fubágengibrepimenta-malaguetaamendoim, castanha de caju, leite de coco, azeite-de-dendê,cebola e tomate. 
Vatapá
 [2] Prato típico da culinária baiana, originalmente africano, feito com o quiabo, a pimenta-malagueta, camarão seco e dendê.

Carurú

[3] Prato típico da cozinha da Bahia. É feito com camarão seco, verdura (espinafre ou mostarda), cebola, alho, pimenta e coentro. 
Efó
[4] Um dos pratos da culinária baiana.Tem a mesma massa que o acarajé: a única diferença é que o abará é cozido, enquanto o acarajé é frito.
Abará


[5] Puba é uma massa extraída da mandioca fermentada e largamente utilizada na produção de bolos, biscoitos e diversas outras receitas típicas do norte-nordeste brasileiro
Puba

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