Duas semanas depois, peguei um voo para São Paulo e, de lá, embarquei do aeroporto de Guarulhos com destino a Londres. Mais uma vez, acomodei-me em uma poltrona confortável da classe executiva do Boeing 777 da Varig. Depois dos drinques e do jantar que essa classe oferecia, reclinei minha poltrona e dormi confortavelmente até meu destino.
Passei três dias maravilhosos em Londres, curtindo tudo de belo da cidade, e ainda fui ao teatro assistir à peça Miss Saignon. Adorei!
Foto by Mr H to you via flickr) |
Em Helsinki, matei as saudades de Adriana e de meu neto durante três dias. No quarto dia, decolei para Frankfurt seguindo para Johannesburg, na África do Sul, para encontrar-me com Jouko. Meu voo de Frankfurt até Johannesburg teve a duração de quase dez horas, e, quando o avião sobrevoava o Deserto de Kalahari, teve muita turbulência. Às 9 horas e 40 minutos, desembarquei, e Jouko estava à minha espera. O que deu um pouco de trabalho e cansaço foi encontrar o carro no estacionamento já que Jouko não se lembrava de onde o havia estacionado.
Fomos acomodados no mesmo hotel e também na mesma suíte em que nos hospedamos na nossa última viagem àquela cidade. As pessoas que lá trabalhavam vinham cumprimentar-me e demonstrar que estavam felizes ao me verem novamente.
O resort continuava lindo como antes com todo aquele verde e jardins repletos de flores, mas uma coisa havia mudado, a temperatura. Durante o dia, o céu continuava azul, com o sol brilhando e a temperatura variando entre 15ºC e 20ºC, mas, à noite, caía bruscamente até para 0ºC. Era mês de maio, e o inverno estava apenas começando.
Por causa da diabetes, passei a não tomar café da manhã no restaurante do hotel uma vez que era tentador, com muitos bolos, geleias, croissants e tantas outras coisas proibidas para mim. Era um verdadeiro escândalo! Assim, todas as manhãs, às 9 horas em ponto, um rapaz chegava a meu quarto com uma bandeja de café contendo torradas, queijo branco, iogurte natural, suco de fruta natural sem açúcar, ovos poché, presunto de peru e outra bandeja com uma variedade enorme de frutas. Não comia nem vinte por cento daquilo tudo.
Comecei a reparar que, todos os dias, quando a camareira vinha limpar o quarto, ao recolher a bandeja, separava as coisas que eu não tinha comido e colocava-as dentro de um saco plástico. Um dia, resolvi perguntar por que ela fazia aquilo. Disse-me que guardava a comida porque todo o salário dela e do marido era usado para pagar a prestação da casa que haviam comprado, portanto não sobrava dinheiro para comerem, ou seja, ela levava o que sobrava de meu café da manhã para eles se alimentarem.
Como pude constatar, aquele hotel não era diferente dos outros que eu conhecia, pois toda a comida que sobrava do café da manhã ia para o lixo, quando seria mais lógico ser dada às pessoas que lá trabalhavam. Na mesma noite, liguei para o restaurante e pedi que, a partir daquele dia, me fosse servido no café da manhã o dobro do que era servido antes, incluindo salsichas e bacon e bifes. Desta forma, poderia ajudar mais a camareira e com isso, aquele farto café da manhã, era sufuciente para alimentar mais duas pessoas. Descobri, também, que somente o valor de quatro diárias de nossa hospedagem era suficiente para pagar o salário mensal desta funcionária. O meu marido sempre achando que o gerente viria fazer reclamações. No entanto, nunca tive nenhuma preocupação com isso, sabia que ele não viria. Estava morando no hotel por muito tempo, Jouko e sua equipe.
Jouko chegou do trabalho na sexta-feira à noite, e fomos jantar em um restaurante austríaco perto de nosso hotel. Lá, ele me falou que teríamos que ir para Botswana, um país próximo, para que ele pudesse renovar seu visto, que havia expirado. No dia seguinte, pela manhã, seguimos viagem primeiro para Sun City porque teríamos que passar na Avis, uma locadora de carros, e pedir-lhes autorização para sair do País com o carro que lá havíamos alugado.
Viajávamos fazia mais de uma hora quando percebemos que estávamos em uma estrada de terra que mal tinha lugar para o carro passar. Teríamos que seguir em frente já que a gasolina não dava para voltar para Sun City. Infelizmente, Jouko tinha se esquecido de colocar combustível no carro, fato que me deixou surpresa porque não era este seu perfil, pelo contrário, meu marido sempre era muito experiente em viagens de carro e extremamente cuidadoso. Mas, naquele momento, diante das circunstâncias, o jeito era seguir em frente. Eu tinha um pouco de medo porque estávamos em uma área considerada perigosa pelo fato de haver sul-africanos que, revoltados com a situação do País, de vez em quando, matavam um fazendeiro branco. O pior foi que só nos lembramos deste pequeno detalhe quando olhamos melhor o mapa e vimos que havíamos tomado a estrada errada, melhor dizendo, a estrada velha. De vez em quando, eu olhava para o rosto de meu marido e, vendo sua expressão de serenidade, ficava mais calma. Em nenhum momento Jouko demonstrou para mim que também estava preocupado. Disso eu fiquei sabendo depois. Eu procurava curtir a beleza dos pássaros e das galinhas selvagens que atravessavam a estrada. Por duas vezes, vimos macacos de pelos cinza e olhos azuis, chamados de velvetes, além de javalis e impalas.
Percorremos essa estrada por quase duas horas. Finalmente, em nossa frente, como uma miragem, vimos um grande portão e uma casa onde havia dois policiais fortemente armados. Jouko parou o carro, e os policiais nos confirmaram que estávamos na fronteira e carimbaram nossos passaportes. A alguns metros havia outra casa, uma espécie de escritório. Era o lado da fronteira pertencente à Botswana. Nesse lado, os policiais já não eram tão amáveis como os sul-africanos. Eram mais sérios e estavam com mais armas. Fiquei com muito medo porque estávamos em um lugar perigoso, totalmente isolado, em um país totalmente desconhecido por nós e com pouca gasolina no carro. Isso nos deixou apreensivos. Perguntei para um deles se havia algum lugar para comprar água ou refrigerante e se também havia toalete. Eu estava realmente necessitando de um banheiro e não quis parar na estrada com medo dos animais. Para meu maior desespero, ouvi a resposta negativa de que não havia toalete e de que o posto de gasolina mais próximo estava a sessenta quilômetros dali. Olhei para o lado e percebi que havia uma televisão ligada transmitindo um jogo de futebol entre a Suécia e o Senegal. Perguntei-lhes, sorrindo, se gostavam de futebol e se tinham algum time predileto. Eu não consegui esconder a alegria e a surpresa quando disseram que gostavam muito da Seleção Brasileira e falaram, com muito entusiasmo, os nomes de todos os seus jogadores. Então, quando lhes disse que eu era brasileira e parente distante de Ronaldo, eles fizeram de tudo para nos agradar. Muito rapidamente apareceu água, coca-cola e até uma cadeira para eu me sentar. A alegria era visível em seus rostos. Aproveitei aquela euforia e dei para cada um deles um chaveiro com a bandeira do Brasil. Dessa maneira, em menos de dez minutos, estávamos com nossos passaportes nas mãos já carimbados e ouvindo votos de que tivéssemos uma boa viagem.
Quando finalmente chegamos a um posto de gasolina, o combustível de nosso carro estava no fim. Nossa sorte foi que o tanque de reserva desse carro, da Chrysler, era muito grande. Depois de abastecer, seguimos em frente e viajamos quase uma hora até a cidade de Gaborone, a capital de Botswana. Quando entramos na cidade, fiquei surpresa ao ver a arquitetura bem moderna, os prédios construídos com muito vidro e metal e uma quantidade muito grande de empresas estrangeiras, inclusive a finlandesa Nokia. As avenidas eram bem largas e arborizadas, as praças e jardins eram de fazer inveja às grandes cidades dos países desenvolvidos. Esse país era duas vezes mais caro que a África do Sul. A pula, moeda local, valia o dobro do rand, moeda da África do Sul. Fomos informados, ainda na África do Sul, de que, naquela época, considerada baixa temporada, não seria necessário fazer reserva de hotel.
Os jacarandás estão por toda a parte, na primavera...em Gaborone, Botswana (Foto by Tude e João via flickr) |
Gaborene, parlamento (Foto by Leo Koolhoven via flickr) |
Gaborene, Botswana (Foto by Makgobokgobo via flickr) |
Para nossa alegria, bem a nossa frente, estava o hotel em que queríamos ficar por três dias, o hotel Gaborone Sun Internacional, um cinco estrelas com cassinos, três restaurantes, piscina e com uma belíssima decoração. Depois da aventura perigosa em nossa viagem, estávamos no paraíso. Três dias depois de nossa chegada a Gaborone, voltamos à África do Sul pela estrada certa, que era linda e estava em ótimo estado de conservação.
Gaborene Sun Hotel (Foto by Safari Partners via flickr) |
Gaborene Sun hotel (Foto by Safari Partners via flickr) |
Gaborene Sun Hotel (Foto by Safari Partners via flickr) |
Estávamos vivendo novamente o clima da Copa do Mundo, e eu assistia aos jogos do Brasil em meu quarto. Admito que era muito ruim e sem graça ver a Seleção Brasileira jogar e, principalmente, ganhar sem poder dividir com alguém toda a alegria que sentia. Às vezes, quando era possível, Jouko assistia aos jogos comigo. Sempre, depois dos jogos, eu telefonava para o Brasil e para a Finlândia.
Os funcionários negros do hotel torciam pelo time do Brasil, os de descendência inglesa torciam pela Inglaterra, e os afrikaans, povos de mistura holandesa e alemã, torciam pela Alemanha.
O Hunters Rest Hotel pertencia a um judeu. Quando a empresa de Jouko havia feito nossa reserva, fomos informados de que, no mês de junho, por um final de semana, teríamos que ir para outro hotel, pois todo ano, no Hunters Rest, acontecia um encontro religioso de judeus, e o mesmo ficava exclusivo para eles por dois dias.
Achamos uma pousada quatro estrelas, não muito longe dali, que pertencia a um casal de suíços e estava localizada na Reserva Natural de Rustenburg, precisamente ao pé de uma montanha. A decoração do quarto era belíssima, mas o que achamos mais charmoso foi que não havia televisão nem aquecimento elétrico no quarto. Havia, sim, uma lareira, e os cobertores e travesseiros eram de penas de ganso. O café da manhã era muito gostoso com geleias, pães, biscoitos e outras guloseimas caseiras. Esse foi um dos finais de semana mais românticos e diferentes pelo qual passamos.
Já de volta ao Hunters Rest Hotel, um dia, recebi um telefonema de Jouko:
– Ainda estou aqui no trabalho e vou me atrasar mais ou menos quarenta minutos. Você pode ir para o restaurante e, se quiser, jante antes de mim, pois estou em reunião.
Todos os dias, às 18 horas em ponto, Jouko chegava ao hotel, tomava seu banho e íamos jantar no restaurante do hotel ou, às vezes, íamos para algum local em uma cidade próxima. Depois do telefonema de meu marido, aprontei-me para jantar. Abri a grande porta de vidro de nossa suíte, que dava para o jardim, para atravessar toda aquela área verde belíssima, área de lazer, área da piscina e chegar ao restaurante. Fazia sempre esse caminho com ele, mas, nesse dia, iria sozinha. Não tinha medo porque a área era iluminada e havia muito movimento dos hóspedes e das pessoas que lá trabalhavam. Porém, quando abri a grande porta de vidro, o que vi deixou-me chocada. Em frente à suíte vizinha à minha, havia mais de vinte homens armados até os dentes. Eu só tentava pensar o que poderia estar acontecendo. Fechei a porta e corri para o telefone a fim de falar com a recepção e procurar saber o que significava aquilo:
– Não se preocupe, senhora Rutanen. Esses homens armados estão protegendo uma promotora. A senhora pode sair tranquila. – disse-me o funcionário da recepção.
Mesmo um pouco temerosa, segui meu caminho até o restaurante. No dia seguinte, na primeira página do jornal mais importante do País, estava estampada a foto desta promotora, uma linda mulher que colocara na cadeia um rico fazendeiro que havia assassinado sua esposa e um empregado negro. Todas as vezes que esse assassino ia ser julgado, mandava matar o promotor que o acusava. O que mais me surpreendeu foi, além da beleza dessa mulher, sua coragem e competência. Poucos dias depois, ela foi ao meu apartamento para desculpar-se pelo susto que tomei e acabou dizendo-me que havia sido Miss África do Sul no ano de 1994. Ela, o marido e o filho permaneceram ainda no resort pelo resto da semana. Ficamos amigas e tiramos uma foto juntas.
A promotora. E com sua visita a nossa suite fiquei sabendo que também foi Miss África do Sul |
Essa senhora, esposa do gerente, tinha dois filhos gêmeos idênticos que estudavam em um internato, como é tradição na África do Sul. Nesse tipo de escola, os alunos eram obrigados a vestir uniformes completos como os das escolas inglesas. Ela me convidou, como em quase todos os finais de semana, para irmos a Johannesburg, distante do resort duas horas e meia de carro, a fim de buscarmos seus filhos na escola para passarem os finais de semana com os pais. Ela dirigia que nem uma louca e fumava um cigarro atrás do outro. Eu já havia decidido que não iria mais com ela, aquela seria a última vez. Depois que pegamos seus filhos no colégio, disse-me que iria até o centro buscar a namoradinha de um deles. Ao nos aproximarmos do portão da casa da moça, fiquei fascinada com a beleza da mansão. Em seguida, o portão abriu-se e, diante de nós, descortinou-se um jardim belíssimo com uma enorme variedade de plantas frutíferas. De repente, vi algo que não entendia o que era. Quando olhei para o muro da mansão, vi que havia um homem negro pendurado. Perguntei a essa senhora o que aquele homem estava fazendo ali, e ela me respondeu, com a maior naturalidade, que ele estava morto porque havia pulado o muro, provavelmente para roubar frutas. Ele havia morrido eletrocutado. Sei que é crime invadir a propriedade alheia, mas aquele pobre homem estava desarmado e provavelmente com fome, por isso deve ter ido roubar uma fruta. Fiquei com raiva daquela senhora, que parecia não se importar com aquilo. Era como se a vida daquele homem, por ser negro, não tivesse nenhum valor. Depois desse episódio, procurei evitar a companhia dela.
Finalmente o projeto de Jouko havia chegado ao fim, e tínhamos a idéia de visitar a Cidade do Cabo que, segundo um programa na televisão chamado Travel Magazine, tinha sido eleita a segunda cidade mais bonita do mundo. No sábado, o hotel em que estávamos morando havia seis meses ofereceu-nos, de despedida, um churrasco à beira da piscina. Logo depois do almoço e da despedida dos amigos que lá fizemos, seguimos viagem para uma cidade chamada Kimberley, onde tínhamos a idéia de passar a noite. Teríamos pela frente quinhentos quilômetros de estrada. Estendemos a bandeira brasileira na parte traseira do carro. No dia seguinte, era nosso grande dia, pois a Seleção Brasileira estava caminhando para conquistar o penta.
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