ANO NOVO NA FINLÂNDIA
Chegamos à Finlândia no dia trinta de dezembro, e a temperatura estava em torno dos -20ºC. Fomos direto para a fazenda passar o Ano Novo. Adriana foi conosco e já estava com seis meses de gravidez. Depois do jantar, Jouko subiu sem me falar nada, por isso estranhei. O tempo passava, e ele não descia. Eu estava distraída contando sobre nossa viagem para Adriana. Percebi movimentos no andar de cima e disse a ela que Jouko não estava dormindo, talvez estivesse arrumando alguns papéis, como de costume quando retornávamos de alguma viagem. Decidi subir e, para minha surpresa, ele andava de um lado para outro com a mão sobre o olho esquerdo. Perguntei-lhe o que estava acontecendo, e ele me disse que não estava enxergando direito do olho esquerdo e sentia muita dor. Inclusive não entendia porque havia vomitado. Assustei-me e disse-lhe que fôssemos imediatamente para o hospital. Desci as escadas correndo para calçar a bota e pegar meu casaco. Ele desceu atrás de mim, abriu a porta e saiu sem me esperar. Então gritei que me esperasse. Era inverno, havia uma quantidade grande de neve e estava muito frio. Quando saí, percebi que o carro já estava em movimento. Não pude mais alcançá-lo. Fiquei em casa muito preocupada, e até hoje não entendo porque não quis que eu o acompanhasse e como conseguiu dirigir até o hospital. Segundo ele, não quis incomodar-me. Perdeu provisoriamente a visão em consequência de um glaucoma que sofria desde moço. Ficou alguns dias internado em razão da cirurgia a laser que fez. Só teve alta do hospital quando recuperou a visão.
Foto by Miska Michael Knapek via flickr |
Foto Sballi1 vias flickr |
Foto Rémi Lanvin via flickr |
Chegamos à Finlândia no dia trinta de dezembro, e a temperatura estava em torno dos -20ºC. Fomos direto para a fazenda passar o Ano Novo. Adriana foi conosco e já estava com seis meses de gravidez. Depois do jantar, Jouko subiu sem me falar nada, por isso estranhei. O tempo passava, e ele não descia. Eu estava distraída contando sobre nossa viagem para Adriana. Percebi movimentos no andar de cima e disse a ela que Jouko não estava dormindo, talvez estivesse arrumando alguns papéis, como de costume quando retornávamos de alguma viagem. Decidi subir e, para minha surpresa, ele andava de um lado para outro com a mão sobre o olho esquerdo. Perguntei-lhe o que estava acontecendo, e ele me disse que não estava enxergando direito do olho esquerdo e sentia muita dor. Inclusive não entendia porque havia vomitado. Assustei-me e disse-lhe que fôssemos imediatamente para o hospital. Desci as escadas correndo para calçar a bota e pegar meu casaco. Ele desceu atrás de mim, abriu a porta e saiu sem me esperar. Então gritei que me esperasse. Era inverno, havia uma quantidade grande de neve e estava muito frio. Quando saí, percebi que o carro já estava em movimento. Não pude mais alcançá-lo. Fiquei em casa muito preocupada, e até hoje não entendo porque não quis que eu o acompanhasse e como conseguiu dirigir até o hospital. Segundo ele, não quis incomodar-me. Perdeu provisoriamente a visão em consequência de um glaucoma que sofria desde moço. Ficou alguns dias internado em razão da cirurgia a laser que fez. Só teve alta do hospital quando recuperou a visão.
Uma semana depois, sentindo muitas saudades de minha irmã gêmea e precisando resolver um impasse muito grande, decidi ir ao Brasil. Minhas sobrinhas, filhas de minha irmã gêmea, já estavam morando em meu apartamento havia mais de sete anos. Anapaula e o marido, como haviam se mudado para o Brasil, estavam pagando aluguel por um apartamento no bairro Costa Azul. Queriam mudar-se para meu apartamento, mas não queriam morar junto com minhas sobrinhas.
Já em Salvador, no meio dessa confusão e pressão porque minhas sobrinhas estavam sem trabalho e não tinham como pagar aluguel, eu não sabia o que fazer. Anapaula tinha condição de pagar aluguel, mas, por outro lado, era minha filha e naturalmente tinha direitos. Minhas sobrinhas já haviam morado lá por muito tempo, mas não tinham para onde ir. Além desse estresse, havia meu problema de saúde. Precisava decidir logo o que fazer. Resolvi que Anapaula e o marido iriam morar no apartamento e que eu alugaria outro para minhas sobrinhas. Também estava muito chateada com a família do pai delas, que nunca ajudou em nada mesmo tendo condições. O pai já havia constituído outra família e não estava nem um pouco preocupado com as filhas, principalmente com Jocely, que nunca teve boa saúde. Durante o tempo em que moraram em meu apartamento, tive que pagar taxa de condomínio alto, além de ajudá-las de outras formas devido à ausência do pai. Ele era tão cara de pau que, quando se referia a meu apartamento, dizia: “o apartamento de minhas filhas”. Se ele ou outros de sua família estivessem em meu lugar, não hesitariam em alugar o apartamento para ganhar mais dinheiro. É lógico que meu marido estava um pouco chateado com essa história toda, mas respeitava minhas decisões. Eu fiz isso com muito prazer porque as amava. O que não me dava prazer era saber que as pessoas achavam que só eu tinha esse tipo de obrigação. Parecia que eu era a única da família que tinha que ajudar.
Procurei um médico em Salvador porque ainda tinha muitas tonturas e também sentia muitas ondas de calor, de vez em quando, tomando conta de mim. Ele me recomendou um check-up. A maioria dos resultados foi normal. Minha dosagem de hormônios estava alterada, e a tireoide, inchada. Outro tipo de exame de sangue, chamado teste de estímulo do TSH com TRH, também apresentou alteração. A médica tranquilizou-me ao dizer que tudo que tinha a fazer era reposição hormonal e tomar remédios para a tireoide. Faltavam somente os resultados da ressonância magnética da coluna cervical. Quando ficaram prontos, levei para o neurologista que a solicitou:
– Dona Maria José – disse-me o médico –, a senhora está sozinha?
– Sim, doutor, estou.
– Gostaria que a senhora ficasse calma porque esse momento é de emoção.
Olhei para ele em choque. Naquela hora, esperava que me dissesse que teria poucos dias de vida. Ele tinha em mãos o papel com o diagnóstico e continuava falando, mas estava tão nervosa que não conseguia prestar atenção no que ouvia. Pediu-me calma e disse em voz alta:
– Hérnia de disco tem cura.
Nessa hora, senti um alívio muito grande e pedi que repetisse o que havia falado antes:
– A senhora tem seis problemas em sua coluna cervical, o mais sério é a hérnia discal posterior em C3-C4. Acredito que o tratamento seja cirúrgico. Os outros não têm cura, mas podem ser aliviados com remédios e fisioterapia. A senhora terá que fazer essa cirurgia, caso contrário, sua qualidade de vida reduzirá a cinquenta por cento, e ainda existe o risco da perda dos movimentos dos membros superiores.
O médico continuava a falar que o procedimento dessa cirurgia não seria muito complicado, eles dariam um corte do lado do pescoço porque, como existia uma ligeira compressão na medula, com essa cirurgia conseguiríamos a descompressão. O inconveniente seria que, além de ter que tomar a anestesia geral, ficaria com a garganta doendo por vários dias, devido ao tubo que a perpassaria. Também existia um problema que era o de não haver garantia de cem por cento de cura, talvez cinquenta ou setenta por cento, variava muito de pessoa para pessoa. Ficaria em torno de três dias no hospital. Eu rejeitava aquela ideia de cirurgia, não teria nenhuma condição psicológica de enfrentar mais uma anestesia.
Representação da hérnia de disco. Foto by Dlmanrg via flickr |
No dia seguinte, liguei para uma pessoa amiga e perguntei-lhe se conhecia algum médico bom na área de coluna. Essa pessoa, além de informar-me o nome do médico, providenciou a consulta para o mesmo dia:
– Senhora Maria José, não se preocupe que seu problema pode ser corrigido ou aliviado com os hormônios que está tomando e também com fisioterapias – disse-me a médica, que mais parecia um anjo em minha frente tirando-me daquele pesadelo em que o médico anterior havia me colocado.
Tentava ficar no Conde o máximo que podia, perto de minha irmã gêmea, porque, dessa vez, só ficaria por dois meses no Brasil. Teria que retornar rápido à Finlândia, pois Adriana estava entrando no nono mês de gravidez e precisava de mim.
Na semana de meu retorno à Finlândia, sentia, às vezes, uma dor no braço esquerdo, o que incomodava muito. Procurava não pensar no que o primeiro médico havia me dito.
Duas semanas depois de ter ficado com Adriana, fomos passar a Páscoa na casa de campo em Saarijärvi. A família de Jouko estava extremamente abalada com a notícia da doença de Annikki, a irmã mais nova de Jouko, que também era como se fosse minha irmã. Ela sempre morou na Suécia. Estudou línguas – inglês, alemão e francês – na Universidade de Uppsala. Morou por um ano na França, em um castelo, era professora de inglês para duas crianças, filhas de um conde. Voltou para a Suécia e começou a trabalhar na Embaixada da Arábia Saudita. Havia adquirido uma terrível doença chamada câncer linfático. Tínhamos esperanças de que melhorasse porque ela estava sendo tratada em um dos melhores hospitais do mundo no tratamento dessa doença. Mas, infelizmente, veio a falecer no ano de 2000.
Na Sexta-Feira Santa, pela manhã, tive a triste notícia da morte de minha avó materna, que nunca havia se conformado com o falecimento de mamãe – desde o qual não tivera mais saúde – e, com o choque da morte de papai, perdera o movimento das pernas e nunca mais se recuperara. Sofri muito, pois era a única avó e, principalmente, a mãe que me restava.
Além da dor no braço, sentia que seus movimentos estavam reduzidos. Liguei para meu médico em Londres e informei-lhe sobre os resultados da ressonância magnética e dos sintomas que estava tendo. Marquei a consulta com ele para o dia 22 de abril. Teria ainda uma semana pela frente para assistir ao nascimento de meu primeiro neto, que estava para acontecer a qualquer momento. Ou melhor, já era para ter acontecido desde o início do mês. Estava atrasado.
Finalmente, no dia 19 de abril, Adriana foi dormir dizendo que estava sentindo umas dores. Essas dores vinham e voltavam, achamos que talvez fosse alarme falso. Às duas e meia da manhã, em meio a um sono profundo, talvez decorrente do remédio que tomava para a tireoide, acordei com Adriana me chamando, pois achava que havia partido a bolsa. Disse-me que eu não precisava ir com ela para o hospital no momento e, dependendo do que o médico falasse, telefonar-me-ia. Depois que ela saiu com o marido, arrependi-me de não ter ido junto porque fiquei preocupada. As horas passavam, e nenhuma notícia. Às cinco da manhã, Adriana ligou-me e disse que estava sentindo dores mais fortes e tomando soro com remédios para aumentar as contrações. Não consegui mais esperar, tomei banho quente, um café e corri para o hospital. Lá chegando, encontrei-a em uma sala totalmente equipada para o parto. Estava com Mohey e a enfermeira. De vez em quando, usava uma máscara, na hora das contrações, que continha o chamado “gás da alegria”. Na hora da dor, ao invés de chorar, ria muito. Às vezes, eu descia pelo elevador e ia para fora do hospital telefonar para Jouko, que estava trabalhando em outra cidade chamada Varkaus, localizada no centro-oeste do país. Na Finlândia, é proibido o uso do telefone celular dentro dos hospitais, ou mesmo entrar com eles ligados. Fui para fora várias vezes e não conseguia falar com meu marido, nem no celular e nem no telefone direto do escritório. Decidi fazer outra tentativa depois do nascimento do bebê, pois estava com medo de que, em um desses momentos em que saía, meu primeiro neto nascesse sem eu estar presente.
Finalmente, às 2 horas da tarde, autorizada a assistir ao parto, senti uma das maiores emoções de minha vida presenciando a vinda ao mundo de Jusef (José, escrito na língua original do pai de Jesus). Deram-lhe esse nome em homenagem a meu pai. Achava que não estaria preparada para mais essa emoção, mas, na hora, a coragem chegou. Ajudei a pediatra a levar o bebê para o banho. Depois, sentei-me na cadeira com ele enroladinho em meu colo, e, em seguida, a médica pegou-o de volta para examiná-lo. Mohey assistiu ao parto e tirou várias fotos do bebê.
Quando olhei para Adriana, percebi que estava muito pálida e tentava dizer alguma coisa, então, corri para ela e perguntei-lhe o que estava sentindo. Disse-me que não se sentia bem e tinha muita fraqueza. Enquanto isso, a médica tentava fazer com que ela expelisse a placenta, que havia ficado presa. Em poucos minutos, percebi que ela estava desmaiada e, antes de qualquer reação, recebi, da médica, o bebê já enrolado. Ela me pediu que saísse dali junto com Mohey e meu neto. Nessa hora, ouvi o alarme de emergência da sala de parto tocando insistentemente. Já no corredor, ainda sem entender o que estava acontecendo, vi várias pessoas, entre médicos e enfermeiros, correndo para lá. Perguntei para um deles o que estava acontecendo. A pessoa pediu-me calma e disse que minha filha estava correndo risco de morte, mas me prometeu que ela ficaria bem. Não sabia se olhava o bebê ou saía para ligar novamente para Jouko. Optei pela segunda alternativa porque estava em desespero, e o bebê ficou com Mohey, o pai, enroladinho em um pequenino berço no corredor. Também dessa vez os telefones de Jouko não atendiam. Lembrei-me de ligar para a secretária dele e pedir ajuda para encontrá-lo. Ela disse:
– Dona Maria José, seu marido está em uma reunião muito importante a portas fechadas, mas se acalme. Eu vou mandar uma mensagem via internet, pois acredito que ele esteja usando-a.
Sua ideia foi boa. Quando ele viu a mensagem, saiu correndo para saber de mais notícias. Ligou para meu celular, mas estava desligado, pois eu estava dentro do hospital. Estávamos vivendo um pesadelo terrível. A porta continuava trancada, e eu não tinha nenhuma informação sobre Adriana. Passado algum tempo, já não aguentando mais aquela agonia, fiquei plantada, na porta da sala de parto, à espera de notícias. Nessa hora, a porta abriu-se, e um médico saiu. Perguntei a ele:
– Doutor, por favor, dê-me notícias de minha filha!
– Não se preocupe senhora, agora ela já está bem. Precisa só de um pouco de tempo para descansar.
Olhei, então, para o bebê e dei-me conta de que, durante esse tempo de espera e de extrema agonia, ele ficou quietinho, enrolado e acomodado dentro do bercinho, junto com o pai, no corredor.
O susto foi grande. Sabia que essa questão da placenta era muito arriscada. Mesmo sabendo que ela estava bem assistida, não consegui controlar o medo e também evitar que coisas tristes passassem por minha mente, como, por exemplo, o que acontecera com a irmã de meu pai, muito tempo antes.
Finalmente fomos autorizados a entrar na sala de parto, nós a encontramos muito pálida e sonolenta devido à anestesia e à quantidade de sangue que havia perdido. O médico falou-nos que era muito raro isso acontecer em um hospital na Finlândia. Talvez um caso em setecentos ou mil nascimentos. Mesmo com toda a tecnologia e cuidados de primeiro mundo, ainda acho que esperaram muito para tomar providências. Finalmente consegui falar com Jouko. Disse-me que já estava a caminho. Por volta das 19 horas, Adriana foi transferida para o quarto. Quanto à minha condição, é fácil de imaginar. Parece que, com o susto e o estresse, minha tontura aumentou. Às 23 horas, extremamente cansada, fui para casa descansar. Continuava preocupada com ela, pois a deixei um pouco fraca, e sua pressão não estava ainda normal. A enfermeira prometeu-me que não sairia de perto dela e que, caso algo acontecesse, ligar-me-ia. Parece que a preocupação e o medo, às vezes, atraem alguma coisa. Eu estava tentando pegar no sono, por volta das 2 horas e 30 minutos, quando o telefone tocou. Confesso que o susto foi muito grande. Felizmente era apenas Anapaula ligando do Brasil para saber notícias. Atrapalhou-se com o fuso horário.
Pela manhã, bem cedo, já um pouco descansada, fui para o hospital e encontrei Adriana bem. Ficou contente com as rosas que levamos, e naquele momento tive a satisfação de dar, pela primeira vez, a mamadeira para meu neto, pois Adriana estava tendo dificuldades para amamentar. Passei o dia no hospital ajudando minha filha e curtindo aquele anjinho que havia nascido com quatro quilos, cento e cinquenta gramas e cinquenta e dois centímetros.
No final da tarde, tive que retornar para casa e me preparar para a viagem a Londres, que estava marcada para o dia 21 de abril. Mesmo ainda preocupada com Adriana, precisava viajar porque esse médico de Londres havia dado um alívio muito grande a minhas dores na coluna lombar anteriormente. Dessa vez, tinha esperanças de que a dor e a falta de movimentos que tinha no braço esquerdo diminuíssem. Dr. Stephen falava-me, sereno e com muita segurança, olhando a ressonância magnética:
– Maria José, eu não aconselho a cirurgia, por outro lado, é difícil prever se somente a fisioterapia lhe ajudará. Além da hérnia de disco, a senhora tem outras complicações, como a artrose, por exemplo. Consigo ver claramente seu diagnóstico porque essa ressonância é de primeiríssima qualidade, muito bem feita.
Fiquei contente de ouvir isso porque foi feita em meu país, ou melhor, em Salvador, na Clínica Delfin. E o médico continuou:
– Infelizmente não posso lhe aplicar a injeção de cortisona na coluna cervical porque acho o local um pouco perigoso. Vou consultar agora mesmo um colega especialista.
Ao finalizar sua ligação para o colega, eu já sabia que não seria possível a aplicação das injeções na coluna, pois estava junto e entendi tudo que falaram. Ele me disse que não ficasse triste, iria aplicar a injeção em meu ombro esquerdo, as dores do braço sumiriam e os movimentos também voltariam. Provavelmente, no dia seguinte, já estaria sentindo-me melhor.
– Maria José – disse-me o Dr. Estephen –, esses problemas que a senhora tem são típicos de quem monta a cavalos frequentemente e também de quem carrega muito peso na cabeça. Alguma vez a senhora já fez uma dessas coisas?
Olhei para ele e respondi:
– Não, doutor, nunca!
Passados alguns minutos, lembrei-me de que, quando era pequena, ainda em crescimento, carregava potes cheios de água, feixes de lenha e grandes bacias de roupas para lavar na fonte. Naquela época, meus pais provavelmente não tinham nenhuma consciência das consequências que viria a ter. Se soubessem, certamente não nos deixariam fazer isso.
Três dias depois, já de volta à Finlândia, encontrei Adriana em casa recuperando-se. Estava preocupada com Jusef, que tinha problemas de pele. Os médicos já haviam pesquisado e sabiam que era uma alergia, só não sabiam sua origem. Pediram que Adriana suspendesse o leite materno e desse um leite especial, receitado por eles, até que descobrissem a causa.
Passei uma semana com minha filha e meu neto. Havia recuperado os movimentos do braço e sentia menos dores. Fui para nossa casa de verão. Era primavera de l999.
No início de julho, Jouko chegou do trabalho e disse-me que, dentro de uma semana, estaríamos voando para a Polônia para um projeto de seis meses. A cidade em que iríamos morar estava localizada a mais ou menos quarenta quilômetros de Cracóvia, a terra natal do Papa João Paulo II.
Sentia uma melhora muito grande em meu braço, mais uma vez a injeção de cortisona funcionara. Mas as dores, tensões no pescoço e tonturas continuavam. Tomamos um voo de Helsinki direto para Varsóvia. De lá, tomaríamos outro voo, em um avião pequeno, para Cracóvia, onde Jouko tinha o projeto. Ficamos por duas semanas no Hotel Warzaswa, um quatro estrelas com área de lazer, dois restaurantes e cassino. Enquanto isso, eu procurava, junto a uma imobiliária, um apartamento mobiliado. A empresa de meu marido pagava o hotel ou a residência mobiliada. Seria mais cômodo para nós ficarmos em hotel, como sempre preferi, desfrutando do bufê do café da manhã, do almoço e do jantar no restaurante. No entanto, continuamos procurando uma casa e, como já estava tendo problemas com pressão alta e outros que normalmente aparecem com o passar dos anos, preferi eu mesma orientar alguém a preparar comidas mais saudáveis, como muitos legumes, peixes, frangos e carnes sem gordura e com pouco sal.
Cracóvia é um importante centro industrial, científico e cultural no sul da Polônia. Apesar do desenvolvimento, com grandes centros comerciais, grandes supermercados de redes internacionais – como o Real, americano, Carrefour, francês, e Auchan, alemão – e muitos prédios modernos, hotéis e restaurantes, podiam-se notar as marcas do antigo regime, o comunismo. Não era difícil ver construções modernas ao lado de prédios sombrios, antigos, mal cuidados, e estradas em condições precárias em contraponto a outras novinhas e bem cuidadas.
FOTOS DE CRACÓVIA
St. Mary's Basilica Foto via Skyscrapercity |
Foto via Skyscrapercity |
Foto via Skyscrapercity by fjtk_ |
Foto via Skyscrapercity |
Foto via Skyscrapercity by fjtk_ |
Foto via Skyscrapercity by skansen |
Main Market Square. Foto via Skyscrapercity |
Jana Matejki square. Foto via Skyscrapercity |
Juliusz Słowacki Theatre. Foto via Skyscrapercity |
Foto via Skyscrapercity |
Depois de duas semanas, já estávamos instalados em um apartamento perto do centro da cidade. Um dia, pela manhã, chegou a minha casa, uma senhora para trabalhar comigo, mandada pela agência a que antes havia solicitado alguém. Primeiro, ela interfonou-me. Não consegui entender uma só palavra. Quando perguntei se falava inglês, também não entendi sua resposta. Decidi abrir a porta da frente. Quando abri, fiquei surpresa ao ver aquela senhora, com uma boa aparência, bem vestida, muito educada e, principalmente, com uma simpatia incrível. Seu nome era Wodza. Já sentada na sala, entregou-me um papel com o telefone da agência e o nome da pessoa responsável por enviá-la. Percebi que não falava e nem entendia uma só palavra de inglês. Quando liguei para a agência, pediram-me desculpas por não terem encontrado uma pessoa que falasse inglês, finlandês ou espanhol e disseram que essa senhora que estava em minha casa, apesar de falar só polonês, precisava trabalhar e, além de ser uma ótima profissional, era idônea. Olhei para ela, que me olhava com ternura e, como havia sentido uma simpatia grande por ela, resolvi contratá-la. A única exigência que ela tinha era de que queria receber o salário em marco alemão. No início, foi um pouco difícil a comunicação, mesmo ela já orientada sobre o que fazer, e, às vezes, era necessário ligar para a agência quando precisava que ela fizesse algo diferente do habitual.
Lembro-me de que, numa manhã, acordei com uma tontura terrível e queria encher a banheira de água quente e relaxar. Isso ajudava um pouco a melhorar a tontura. Segundo o médico, ativava a circulação. Assim que a senhora Wodza chegou, tentei explicar-lhe o que queria, mas percebia que ela não me entendia. Pedi-lhe, com um gesto, que buscasse, na sala, o telefone para ligar para Jouko, pois ele falava polonês e poderia explicar-lhe o que teria que fazer. Também não me entendeu. Levantei-me da cama, segurando nela, e dirigi-me ao banheiro. Lá, finalmente, conseguiu entender o que eu queria. Ajudou-me a entrar na banheira e, como percebeu que eu não estava bem, ficou todo o tempo na porta do banheiro à espera que eu terminasse o banho.
As saudades de minha família doíam, pois, nessas horas, é muito bom ter alguém ao nosso lado dando-nos apoio e carinho. Mesmo que essa senhora me desse isso, era uma estranha para mim, principalmente porque não havia nenhum tipo de comunicação entre nós.
Resolvi procurar um médico que falasse inglês. Sabia, pelos médicos anteriores, que aquelas tonturas que me incomodavam tanto eram consequência da ligeira compressão que tinha na medula e da má circulação em volta do pescoço. Mas tinha que haver um remédio ou tratamento que me desse um alívio. À tarde, Jouko saiu do trabalho mais cedo e acompanhou-me até à clínica. Como um pesadelo, ouvia do médico, que tinha em suas mãos os resultados da ressonância magnética, que o único tratamento para mim era a cirurgia. Era um médico jovem, graduado na Alemanha. Estava muito seguro do que dizia. Disse-lhe, então, que não estava preparada ainda para enfrentar uma cirurgia. Nesse caso, falou-me que tentaríamos um tratamento alternativo, com laserterapia, magneticoterapia e eletrodos para a musculatura do pescoço. Receitou-me também vinte injeções intramusculares chamadas diclorenium e mais vinte ampolas de outra injeção, não para aplicar, e, sim, para molhar a gaze que seria colocada em volta de meu pescoço e, assim, proporcionar um efeito mais eficaz da magneticoterapia. Esse médico, também como os anteriores, não me deu cem por cento de garantia de cura com a cirurgia. No mesmo dia, à noite, por indicação dele, recebi em minha casa uma enfermeira para aplicar-me as injeções. Chamava-se Ana Kubiak. Tinha nível universitário, era especialista em eletroencefalogramas, além de jovem, muito simpática e bonita. Falava muito pouco inglês, mas falava alemão muito bem. Marcamos os horários das injeções para a noite porque Jouko poderia traduzir nossas conversas, mas, após a terceira aplicação, isso não foi mais necessário, pois nos comunicávamos por dicionários e pelo pouco inglês que ela tinha.
Dois dias depois, marcamos o início da outra parte do tratamento em uma cidade chamada Piekary Slaskie, que ficava a vinte e cinco quilômetros de Cracóvia. Dessa vez, eu estava cheia de esperanças. Jouko tirou a tarde livre para me acompanhar e saímos de Cracóvia uma hora antes, pois teríamos que procurar o lugar. Como rodamos bastante e não conseguimos encontrá-lo, resolvi ligar para meu médico, que, além de explicar-me direito o endereço, ligou para a especialista esclarecendo o que acontecera, marcando este procedimento para dois dias depois.
FOTOS DE PIEKARY SLASKIE
Foto by Klowdysia via flickr |
Foto via Map of Poland |
Monumento a João Paulo II em Piekary Slaskie. Foto via Map of Poland |
No primeiro dia do tratamento, fiquei surpresa ao encontrar, na clínica, um jovem da mesma idade de meu filho para ser meu tradutor uma vez que a médica que iria me tratar, a doutora Irena, também não falava inglês. Chamava-se Jack, era filho dessa médica e estava cursando o terceiro ano de medicina. Percebi que, na Polônia, as pessoas optam por aprender alemão em vez do inglês. Para fazer a laserterapia, eu teria que usar uns óculos especiais que protegem os olhos e permaneceria sentada durante os vinte e cincos minutos do tratamento. Esse mesmo procedimento também era utilizado na magneticoterapia.
No início, foi muito difícil porque eu sentia muitas tonturas. Depois de cada aplicação de magneticoterapia, finalmente recebia uma massagem. A médica estava muito otimista, pois, segundo ela, com esse tratamento, já havia recuperado o movimento de membros inferiores e superiores de alguns pacientes. Apesar de ser um tratamento muito caro, essa informação soava como uma música aos meus ouvidos.
Jouko permanecia três horas fora de seu trabalho para me acompanhar nesse tratamento, já que eu não tinha nenhuma condição de dirigir. Ficava encantada ao ver a boa vontade de meu marido e seu desejo de que esse tratamento desse certo, não se importando em gastar dinheiro, nem em fazer alguns sacrifícios para me ver bem. Era sempre uma alegria, para mim, ir até à clínica porque lá, além de estar recebendo ajuda, encontrava Jack, o jovem tradutor que parecia, tanto fisicamente quanto por seu jeito meigo, com meu filho.
Em todos os finais de semana, eu e meu marido fazíamos sempre algum passeio. Gostávamos de ir a Cracóvia visitar as inúmeras igrejas, museus e o Castelo de Wavel. A cidade de Cracóvia, antiga capital da Polônia, tem mil anos de história e cultura. É um dos lugares turísticos mais visitados da Europa. Além das visitas aos lugares que citei, havia um centro comercial na praça principal onde eram vendidos os cristais mais lindos que já havia visto, como os grandes vasos de cristais para o chão com cores variadas, artesanato em madeira, pratos de parede em bronze e madeira, bonecas em miniaturas e muito mais. Havia sempre muitos turistas e podia-se ouvir uma grande variedade de idiomas. Aos sábados, havia uma feira livre de antiguidades, com peças raríssimas que custavam verdadeiras fortunas, e ainda ótimos restaurantes, casas de café e chá. Na praça principal, a cada hora, ouvíamos um toque de corneta na torre da igreja Marianski, nome equivalente a Santa Maria. Segundo a tradição, no século XVI, quando os bárbaros invadiram as cidades principais da Europa, uma sentinela ficava no alto da torre anunciando a chegada dos invasores, e, certo dia, um desses homens foi morto com uma flecha em sua garganta. Esse toque de corneta é uma homenagem a ele.
Em uma dessas vezes em que fomos a Cracóvia, Jouko tomou outra estrada dizendo-me que eu iria conhecer algo novo. Algum tempo depois, estávamos parados em um lugar belíssimo. Era um parque com uma construção antiga no meio dele, com um lindo jardim repleto de flores. Jouko falou para descermos do carro e conhecer aquele lugar. Perguntei-lhe que lugar era aquele, e ele me disse que era o Museu de Auschwitz. Pedi desculpas, mas lhe disse que não poderia entrar, pois, só de pensar que três dentre as seis milhões de pessoas inocentes, incluindo idosos e crianças, foram assassinadas cruelmente naquele lugar pelo louco do Adolf Hitler, sentia um mal-estar enorme. Jouko entendeu e seguimos viagem. Queria sair dali o mais rápido possível.
Nesse dia, tínhamos planos de visitar uma mina de sal, outra atração turística em Cracóvia. Essa mina, chamada Wieliczka, havia sido transformada em museu. Três mil e quinhentos anos antes de Cristo, esse lugar era um lago de águas salgadas e, durante a Segunda Guerra Mundial, serviu de esconderijo para os nazistas na fabricação de peças especiais para armas. Na parte inferior da mina, a mais de duzentos metros de profundidade, onde o ar é puro e a temperatura fica em torno dos 15ºC, existe um sanatório para tratamento de pessoas com asma e tuberculose e uma capela cujas estátuas foram esculpidas no sal cristalizado. Uma dessas estátuas é a do Papa João Paulo II.
Entrada da Mina de Sal Wieliczka. |
Estátua do Papa João Paulo II esculpida em pedra de sal na Capela da St Kinga, na Mina de Sal. (Foto by Kaoru via flickr) |
Foto by Dan Makolondra via flickr |
Já tínhamos comprado os bilhetes da entrada quando soube que ficaríamos duas horas embaixo da terra. Então, dei-me conta de que talvez não fosse me sentir bem, principalmente por causa de minhas tonturas. Devolvemos os bilhetes e recebemos o dinheiro de volta. Como sempre, Jouko respeitou minha vontade. Algum tempo depois, voltamos para lá e finalmente conhecemos esse lugar encantador.
Estava indo tudo bem com meu tratamento, sentia-me um pouco melhor. As injeções estavam terminando, e eu já era amiga de Ana, a enfermeira que já conseguia falar alguma coisa em inglês. Eu também já entendia um pouco de polonês, pelo menos o trivial. Aos sábados, nós duas sempre fazíamos alguma coisa, como jantar na casa dela, ou ir a algum restaurante. Sua única filha, Camila, sempre nos acompanhava.
No último dia do tratamento, levei para a médica um buquê com catorze rosas simbolizando as catorze vezes em que ela havia me tratado. Antes de comprar um presente para Jack, seu filho, pedi a opinião de Ana. Perguntei-lhe o que os jovens poloneses gostavam de ganhar. Disse-me que não comprasse presente porque, pelo fato de ser ainda estudante, poderia preferir uma quantia em dinheiro. Coloquei dentro de um envelope um cartão de agradecimento por ter me ajudado na tradução e uma quantia em dinheiro. Senti que ele ficou muito contente.
Já me sentindo melhor das tonturas, depois de dois meses, fui sozinha passar uma semana na Finlândia. Eu estava com muitas saudades de Adriana e de meu neto. Tomei, ao meio-dia, um voo de uma hora para Varsóvia e, algum tempo depois, decolei para Helsinki com escala em Hamburgo, na Alemanha.
Adriana, Mohey e Joe (apelido de Jusef) estavam a minha espera no aeroporto. Joe havia crescido bastante e estava muito esperto. No início, estranhou-me um pouco, mas, depois de algum tempo, já estávamos nos relacionando bem. Foi uma semana de muitas alegrias.
Em meu retorno à Polônia, também fiz um voo com escala em Hamburgo. Às 18 horas, peguei o vôo de Varsóvia para Cracóvia no menor avião em que eu já havia voado até então. Para minha tristeza, só havia quatro assentos. Decolamos em meio a uma tempestade com relâmpagos e trovoadas. Foram cinquenta minutos de pesadelo, enfrentando muita turbulência. Finalmente, graças à habilidade do piloto, pousamos em Cracóvia com segurança. Jouko estava a minha espera no aeroporto, muito apreensivo devido ao mau tempo.
Em Cracóvia, eu gostava de ir para a praça principal comprar rosas frescas para decorar meu apartamento. Eram dezenas de barracas com flores, principalmente rosas, as mais bonitas e maiores que já havia visto até então. Num desses passeios, como era início de outubro e já começava a esfriar, senti-me tonta achando que, talvez, o vento forte fosse o motivo desse mal-estar. Não queria aceitar que fosse por causa da coluna depois do tratamento que havia feito. Voltei para casa, enchi a banheira de água quente e lá fiquei pelo menos por meia hora. No dia seguinte, além da tontura, sentia uma forte tensão no pescoço e tinha muito zumbido na cabeça. Telefonei para Ana, que marcou uma consulta com uma otorrinolaringologista para logo mais à tarde, e lá ela me disse:
– Senhora, tudo está bem com seus ouvidos e garganta. Acredito que esses sintomas, principalmente o barulho em sua cabeça, talvez sejam causados pelo problema de sua coluna cervical.
Eu estava muito transtornada e desapontada por não ter dado certo aquele tratamento em que tanto acreditei. Ana não perdeu tempo. No dia seguinte, levou para minha casa um neurologista chamado Dr. Goldda, que chegou acompanhado de seu filho para ajudar na tradução do inglês. Olhou os resultados dos exames e também não aconselhou a cirurgia. Indicou-me uma fisioterapeuta para fazer, além de massagens, manipulação em minha coluna. Decidimos contratar Ana para me acompanhar algumas horas por dia nesse novo tratamento. Comecei a fazê-lo duas vezes por semana. Durante uma hora, recebia massagens, tração no pescoço e manipulação nas vértebras. Tudo era manual. Esta era mais uma nova esperança para mim. Ana estava sempre ao meu lado. Já falava um pouco de inglês, mas o dicionário ainda era nosso companheiro inseparável. No meio do tratamento, senti uma depressão muito grande, pois percebi que esse não estava me ajudando muito. No dia em que o fazia, sentia-me um pouco melhor, mesmo com os músculos doloridos, mas, no dia seguinte, voltava tudo à mesma. O neurologista que solicitou esse tratamento sempre me pedia calma, que tivesse paciência porque era um tratamento cujos resultados viriam a longo prazo. Receitou-me um antidepressivo. Como esse médico também não falava inglês, Ana traduzia para mim com o pouco inglês que ela tinha. No mesmo dia, comecei a tomar o citado remédio. Era uma segunda-feira.
Na quarta-feira à noite, depois que Jouko chegou do trabalho, fomos jantar em um restaurante que era nosso preferido. Olhava para meu prato e não tinha nenhuma vontade de começar a comer. Olhava para Jouko, já sentindo uma coisa estranha, um desconforto difícil de descrever. Sem entender o que estava se passando comigo, disse para Jouko que gostaria de ir embora por não me sentir bem. Ele, surpreso, disse-me que eu nem havia tocado na comida. Tive uma reação estranha, dizendo-lhe rispidamente que não queria comer e dirigi-me para a porta de saída. Jouko chamou o garçom, pagou a conta o mais rápido possível e saiu correndo atrás de mim, que, àquela altura, já estava correndo em direção ao carro. Jouko estava muito nervoso e teve dificuldade em abrir as portas do carro. Não sabia explicar direito o que sentia. Foi como uma espécie de alucinação. Já dentro do carro, liguei para Ana. Eram quase 21 horas:
– Ana, por favor; gostaria que viesse imediatamente a minha casa porque não estou me sentindo bem.
Do outro lado da linha, ela me disse:
– No momento, estou em outra cidade, a mais ou menos cem quilômetros de Cracóvia, visitando um paciente, mas vou pôr a sirene em meu carro e chegarei aí o mais rápido possível.
O fato de ela ser enfermeira dava-lhe o direito de usar a sirene em caso de emergência.
Mandou que tentasse relaxar e tomasse uma ducha quente e, se não melhorasse, fosse para o hospital. Felizmente não foi necessário porque, com a ajuda de meu marido, consegui melhorar um pouco. Ana, enquanto dirigia para minha casa, ligou para o médico e falou de meus sintomas. Em menos de uma hora, ela chegou, tomou minha pressão, que estava um pouco alta, e mandou que usasse um supositório. Deu-me também um comprimido para relaxar. Ela tinha uma maleta em que podia ser encontrado qualquer tipo de remédio. Algum tempo depois, ligou para o médico novamente, informando-lhe como estava me sentindo. O médico disse-lhe:
– Ana, pergunte para ela se já está tomando o antidepressivo que lhe receitei.
Falei para ela responder-lhe que estava tomando meio comprimido duas vezes ao dia, como havia me recomendado.
Percebi a surpresa no rosto de Ana quando ouviu o que o médico havia lhe dito:
– Diga-lhe que não mandei que tomasse meio comprimido duas vezes ao dia, e, sim, duas vezes por semana. Esses sintomas, provavelmente, são reações do remédio.
Ela relatou a Jouko, em alemão, o que conversara com o médico, tendo ele traduzido tudo para mim. Isso aconteceu pelo problema de comunicação que tínhamos. Depois disso, não quis mais tomar esse maldito remédio.
A própria fisioterapeuta que estava me tratando aconselhou-me a procurar outro tipo de manipulação. Indicou-me um quiroprático da Ucrânia que tinha clínica em outra cidade. Ela achava que eu necessitava de uma manipulação mais forte.
Na semana seguinte, eu e Ana fomos ao encontro desse médico, que também era neurologista. Chamava-se Dr. Malarenko.
Em nossa chegada, assustei-me de imediato com o tamanho dele. Além de ser muito forte, calculei que deveria ter mais que um metro e noventa de altura. Falava inglês com sotaque russo bem pesado. Apesar disso, conseguia entendê-lo muito bem. Disse-me que o tratamento era um pouco dolorido, mas que valia a pena porque eu iria melhorar. Nesse mesmo dia, começamos o tratamento. Com palavras, não consigo descrever as dores terríveis que sentia quando ele manipulava minha coluna. Disse-me que não era motivo para preocupação porque essas dores eram normais devido à musculatura estar muito tensionada. Uma vez por semana seria suficiente. Recomendou-me que ficasse em repouso absoluto pelo resto do dia e no dia seguinte também. Nos dias que antecederam a segunda sessão, não conseguia pensar em outra coisa senão nas dores que iria sentir novamente. Como temia, essa foi mais dolorosa ainda. Mas sempre ouvia do médico que eram normais e que iriam melhorar. Na terceira vez, não tinha mais dúvidas de que, mesmo que ficasse boa, aquilo era uma tortura para mim. Literalmente. Jouko não estava nem um pouco satisfeito com o que lhe dizia a respeito das dores que sentia durante a manipulação. No quarto dia do tratamento, resolveu ir junto. Não conseguiu presenciar todo aquele meu sofrimento e saiu da sala. Depois, já em casa, aconselhou-me a desistir dessa tortura e procurar outro tipo de ajuda. Hoje, ainda com os mesmos sintomas, fico imaginando se teria ficado boa mesmo como ele havia me prometido.
Já no final de outubro, o frio incomodava. Mesmo com aquecimento no carro e dentro de casa, teria, às vezes, que enfrentar aquele vento frio na rua, pois não podia ficar todo o tempo dentro de casa. Mesmo bem agasalhada, o frio sempre me incomodou muito, principalmente por meu problema de coluna. As saudades de meus filhos e de minha irmã gêmea também doíam muito.
No dia primeiro de novembro, a Polônia comemorou, como de costume, o Dia de Finados. Durante todo o dia, as ruas, cemitérios e igrejas ficaram lotados. Fomos convidados para jantar na casa de Ana à noite, e lá ela nos chamou:
– Maria e Jouko, venham aqui na janela. Quero mostrar-lhes uma coisa.
Da janela de sua sala, no nono andar do prédio, dava para ver o cemitério do outro lado da rua. Quando olhei para baixo, vi muitas velas, de várias cores, acesas juntas. Confesso que nunca havia visto nada igual na vida.
Dia de Finados na Polônia. (Foto Jornal de Londrina) |
Milhares de castiçais de vidros coloridos contendo velas ficam iluminados. Os polacos tem por tradição rezar pelos mortos no finados durante a noite. Durante o dia limpam os túmulos, colocam flores e estes castiçais de vidro e apenas de noite voltam em família, com crianças e todos para rezar e homenagear seus morto. Foto Ulisses Iarochinski |
Retornei ao médico que me havia indicado a continuação da quiropraxia e disse-lhe que não queria mais esse tratamento, então, ele mandou que voltasse a fazer a laserterapia, magneticoterapia e começasse hidroterapia e hidroginástica. Dessa vez, faria tudo no hospital em que ele trabalhava no centro de Cracóvia. As segundas, quartas e sextas, Ana, a enfermeira, acompanhava-me nesses tratamentos das duas às cinco da tarde. Beata, a moça que fazia a hidroterapia, era muito simpática e tinha muito carinho por mim. Era o tratamento de que eu mais gostava. Durante quarenta e cinco minutos, ficava dentro de uma banheira de hidromassagem. Além disso, Beata tinha em suas mãos uma mangueira com jatos fortes de água, massageando as partes de meu corpo que os jatos da banheira não alcançavam. Ela, Ana e eu ficávamos conversando todo o tempo durante o tratamento. Depois ia para a piscina fazer a hidroginástica e, finalmente, os dois outros tratamentos. Em uma dessas sessões, Ana disse-me:
– Estive pensando e sugeri a seu médico que seria bom que a senhora fizesse um eletroencefalograma pelo fato de ter dores de cabeça. Isso nos dará a certeza de que tudo está bem com a parte cerebral.
Marcamos o citado exame para o dia seguinte, e ela própria, que era especialista nessa área, o faria. Qual não foi minha alegria, no final do exame, ao ver a felicidade de Ana dizendo-me que tudo estava absolutamente normal.
Foi nessa época que Jouko me falou:
– Kulta, eu tenho uma conferência de dois dias em Munique na Alemanha. Você está em condição de viajar comigo?
– Acho que não lhe disse, mas ainda estou sentindo as tonturas, e um voo, mesmo que não seja longo, talvez não vá me fazer bem. – esclareci.
– O problema é que não quero deixar você sozinha aqui.
– Não se preocupe. – disse-lhe – Tenho certeza de que Ana virá dormir comigo.
Liguei para ela, tudo foi acertado, e Jouko viajou tranquilo.
No dia seguinte, eu e Ana, antes de irmos para o hospital fazer o tratamento, fomos a uma cidade comprar porcelanas da marca Chodziez, uma das melhores do mundo. Depois fomos a uma butique de uma amiga dela comprar blusas de frio. A única coisa que me incomodava um pouco, quando saía com ela de carro, era que ela andava em alta velocidade. Tinha vergonha de dizer-lhe que estava com medo, ou melhor, que não gostava que corresse tanto. Mas ela era tão boa para mim que me calava e preferia confiar em sua habilidade ao volante.
No meio do tratamento, Ana falou-me que o médico havia ligado para ela, aconselhando-a a levar-me para fazer dez sessões de solarium. Segundo ele, esse procedimento seria muito bom para a circulação. Em países como a Finlândia, a Polônia e outros da Europa, onde o sol nunca aparece no outono e inverno, esse é um jeito artificial de receber alguns raios solares. Tinha ainda um mês para permanecer na Polônia. Jouko não tinha previsão de quando terminaria seu projeto. Iria sozinha para a Finlândia porque, de lá, voltaria para o Brasil no início de dezembro.
No meio de novembro, já havia muita neve e, num final de semana, fomos visitar uma estação de esqui. Ana, seu esposo e sua filha acompanharam-nos no carro deles. Passamos o dia por lá, almoçamos em um restaurante da moda e comprei suvenires nas inúmeras lojas de artesanato dali.
Meu tratamento no hospital já estava na reta final, e sentia uma melhora acentuada nas dores de cabeça e tonturas. Fiz um jantar de despedida em minha casa e convidei Ana e sua família. Mesmo que tivesse pagado a Ana por seus serviços, para mim, nada do que eu fizesse seria o suficiente por tantas coisas boas que ela havia feito por mim. Foi um verdadeiro anjo durante o tempo em que com ela estive. Como já estava chegando o Natal, dei-lhe um pingente de ouro em forma de coração e, para minha surpresa, ela também me presenteou com uma medalha com desenho de um anjo, com a data da entrega do presente - 21 de novembro de 1999 - e seu nome gravados, e com uma floreira de cristal. Pessoas como essa moça ficam guardadas para sempre em nossos corações.
Estava ansiosa para retornar ao Brasil. Devido ao problema de saúde, às vezes tinha medo de acontecer alguma coisa comigo e não poder ver mais meus entes queridos. Sabia que era bobagem pensar assim, mas a distância ocasionalmente deixa-nos vulneráveis a esse tipo de sensação.
No comments:
Post a Comment