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Saturday, July 27, 2013

ENTRE A ÁFRICA E O BRASIL (última parte)

Chegamos a Kimberley às 21 horas e paramos em um hotel também muito bonito com uma boa área verde e um cassino com bar e restaurante. Tomamos banho, colocamos uma roupa bonita e fomos ao restaurante do cassino. Primeiro, ficamos no bar tomando um aperitivo e esperando desocupar uma mesa para nós no restaurante. Lá, degustamos, com um bom vinho tinto, um dos melhores filés mignons que já havia experimentado até então. Vale também lembrar que a África do Sul foi o lugar onde comi a melhor carne e os melhores frutos do mar, dentre esses lagosta, camarão e polvo. Além da ótima qualidade desses produtos, eram sempre muito bem preparados. Depois de algum tempo jogando e perdendo dinheiro no cassino, fomos dormir. Admito que estava, além de cansada da viagem, um pouco estressada só de pensar que o time do Brasil poderia repetir a mesma situação triste da última Copa do Mundo quando perdeu o jogo da final para a França. Por outro lado, algo me dizia que, dessa vez, talvez pudéssemos ter uma grande alegria com a Seleção. 

Kimberley é a capital da província de Northern Cape da África do Sul. A cidade tem grande importância histórica devido ao seu passado de mineração de diamantes e o cerco durante a Segunda Guerra Boer

Museu Mina de Diamante "The Big Hole" (Foto by Garry Bembridge via flickr)

Área interna (Foto by Gary Bembridge via flickr)
O Big Hole, Open Mine ou Kimberley Mine (In Afrikaans: Groot Gat) é uma mina a céu aberto e subterrânea em Kimberley, África do Sul, e afirma-se ser o maior buraco escavado à mão. Mais informações podem ser encontradas acessando a wikipedia. (Foto via skyscrapercity)

Acordamos bem cedo e fomos para o restaurante tomar nosso café da manhã. Olhei para fora e percebi que havia uma camada de gelo nos carros e no chão. A temperatura estava beirando 0ºC, o que me fez duvidar em que lugar do planeta nós nos encontrávamos. Era mesmo na África? Quando chegamos ao estacionamento e vimos que nosso carro tinha uma camada de gelo, não pudemos conter a surpresa, pois, mesmo sendo inverno, era inacreditável ver gelo já que, para nós, que morávamos na Finlândia e já tínhamos nos hospedado em outros países do norte da Europa, ver essa paisagem muito familiar, na África, um continente dos trópicos, era realmente surpreendente. É admirável esse caminhar pelo mundo, conhecer diferentes países, com diferentes culturas, geografia e clima singulares.

Olhamos o mapa e procuramos uma cidade maior onde pudéssemos assistir ao jogo do Brasil contra a Alemanha na final da Copa do Mundo. Vimos que passaríamos por várias cidadezinhas, e que a cidade aparentemente grande mais próxima estava situada a seiscentos quilômetros de distância. Chamava-se Beaufort West. Eram 7 horas, e o jogo começaria às 13h, portanto tínhamos seis horas pela frente. Escutando um CD da banda Chiclete com Banana no carro, olhava para meu marido dirigindo e sentia firmeza naquela promessa que havia me feito de que chegaríamos a tempo de assistir ao jogo. Aquela sua determinação e serenidade chegavam a me emocionar.

Algumas horas depois, chegamos a uma cidade chamada Vitória West para abastecer. Teríamos ainda um pouco mais do que duzentos quilômetros pela frente, e já passava das 11h. Era inacreditável a conservação e a beleza dessa estrada com muitas retas. Às vezes, tinha a impressão de que a estrada não tinha fim. Parecia demais com as do Arizona nos Estados Unidos. Outro fator que me deixava segura quanto à nossa chegada à cidade no tempo previsto era que estávamos em um excelente carro da Chrysler, tinindo de novo, com um motor 2.4, o que possibilitava andarmos a cento e quarenta ou cento e sessenta quilômetros por hora. Faltando dez minutos para as 13h, entramos com muita alegria em Beaufort West. Havíamos conseguido chegar no tempo previsto.

Beaufort West, South Africa

Beaufort West

Já dentro da cidade, comecei a ficar desesperada porque era quase uma hora e não encontrávamos nenhum bar ou restaurante que tivesse televisão. Enquanto Jouko dirigia, eu procurava, ansiosa, por um lugar em que pudéssemos parar. Olhei para o relógio e vi que já era pouco mais de uma hora.

De repente, como um milagre, vi um restaurante aberto, completamente lotado, com várias televisões ligadas. O jogo havia começado fazia mais de dez minutos. Entramos e encontramos uma mesa vazia para que pudéssemos nos acomodar, e as pessoas olharam para nós por estarmos vestidos com a camisa do Brasil. Todos que lá estavam eram brancos, o que me deixou apreensiva, pois, nessa área, as pessoas eram afrikaans e provavelmente estavam torcendo pela Alemanha. O garçom trouxe cerveja e o cardápio para pedirmos algo para comer. Meu coração batia forte, e meu marido pedia-me, a todo tempo, que eu me acalmasse, mas não conseguia principalmente porque estava naquela situação em um lugar estranho. Para minha felicidade, quando Rivaldo tentou fazer um gol, as pessoas no restaurante ficaram eufóricas. Vi que todos, afrikaans ou não, estavam torcendo pelo Brasil. Nessa hora, também começou minha euforia. Sem hesitar, abri a bandeira brasileira que até então estava escondida e enroladinha em minha mão. A euforia dessas pessoas aumentou ainda mais quando souberam que, além de ser brasileira, eu era prima distante do craque Ronaldo. Meu coração não parava de bater forte, e as lágrimas teimavam em derramar em meu rosto quando o Brasil começou a ganhar. Jouko também estava visivelmente emocionado, e vi suas lágrimas e a emoção estampada em seu rosto. Eu tentava imaginar, naquela hora em que a Seleção Brasileira conquistou o pentacampeonato do mundo, a emoção de milhões de brasileiros. Foi muito bom ver Cafu levantar a Taça e todos os jogadores ficarem de joelhos, em círculo, no meio do campo. 

No final do jogo, muitas pessoas vieram nos cumprimentar. Alguns também nos ofereceram drinques e até trocamos endereços. nao sei de onde apareceu, mas a tv local veio fazer uma entrevista comigo, penso que foi pelo fato de ser a única brasileira, ali naquele lugar tão distante. Cheguei a oferecer a uma das senhoras lá presentes, um colar de bijuterias que eu usava desenhado com a bandeira do Brasil. Em seguida, colocamos a bandeira brasileira estendida na parte traseira do carro e pegamos a estrada novamente, dessa vez, para a Cidade do Cabo.

A estrada continuava uma beleza, parecia que ficava cada vez melhor. A vegetação que surgia era diferente da que havíamos visto antes na região de cerrado. Nessa parte da estrada, o verde era mais intenso, as árvores maiores, e a impressão que se tinha era de que nos aproximávamos cada vez mais das montanhas. O sol começava a baixar, e isso dava um tom amarelado à paisagem. Por nenhum momento ouvi meu marido reclamar de cansaço. Pelo contrário, juntos, curtíamos aquele pôr do sol, um dos mais bonitos que havíamos visto até então. Tínhamos ainda mais de quatrocentos quilômetros para chegar à Cidade do Cabo, e nossa intenção era a de ficarmos lá até às 21 horas. Paramos em uma cidade chamada Worcester para tomar café e comer alguma coisa. Quando seguimos viagem, o sol já se escondia, mas seus raios iluminavam as montanhas que se descortinavam à nossa frente. Com essa paisagem de tirar o fôlego de qualquer mortal, começamos a descida para o nível do mar. Era uma cena belíssima e indescritível, com o céu beijando as montanhas iluminadas pelos raios solares. Aquela paisagem era um prato cheio para poetas e pintores. Mas confesso que fiquei com um pouco de medo, mesmo com a estrada conservadíssima e muito bem sinalizada, pois as curvas eram muito fechadas, e as descidas, muito radicais. As montanhas eram tão altas que eu, de dentro do carro, não conseguia visualizar o topo delas. Era uma estrada com pedágios e um túnel de mais de dez quilômetros. Durante o dia, devia ser bem mais bonita, e sentimos por termos a conhecido quando já estava escurecendo.

Na chegada à Cidade do Cabo, mais emoções. Quando começamos a visualizar as luzes da cidade, na entrada, pudemos perceber logo sua organização. Não tivemos nenhuma dificuldade em encontrar nosso caminho para a orla marítima, Mouille Point, onde se encontrava o Protea President, um hotel cinco estrelas onde ficaríamos hospedados.

Antes de irmos para o hotel, paramos em um shopping center, na orla marítima onde havia vários restaurantes de frutos do mar. Ainda vestidos com a camisa da Seleção Brasileira, entramos em um desses restaurantes para jantar. O garçom, que era de Angola, veio atender-nos muito eufórico com a vitória do Brasil. Se tivéssemos estado nesse restaurante na hora do jogo, teríamos encontrado, segundo ele, mais de cinquenta brasileiros também emocionados como eu. Dentre as muitas opções de frutos do mar, decidimos pedir um prato sortido de mariscos. Quando o garçom o trouxe, tomei um susto porque não esperava que fosse tão grande e sortido. Na verdade, não era um prato, era uma travessa, forma típica de servir na África do Sul, não importando se é peixe, carne ou frango. Às vezes, a porção é tão grande que não se consegue comer tudo. Na África do Sul, come-se muito bem e bebem-se vinhos deliciosos com preços bem mais baixos que no Brasil. Nessa travessa havia camarões pistola, lagosta, lula, peixe e outros tipos de marisco, além de arroz, batata cozida, purê de abóbora e salada.

Finalmente, chegamos a um hotel muito bonito, Protea President, onde fomos recebidos com uma cesta de frutas no quarto, um cartão de boas-vindas e os parabéns pela vitória do Brasil já que sabiam que eu era brasileira por causa de nossa ficha de reserva. Protea é o nome de uma bromélia de tamanho avantajado, nas cores rosa e lilás, e é o símbolo desse país. É deslumbrante.
Protea Hotel President, Cidade do Cabo - África do Sul (Foto by Frequent - Traveller via flickr)

Área da piscina...(Foto by Safari Partners via flickr)

Chegada no Hotel, no dia em que o Brasil foi Penta - Cidade do Cabo, África do Sul (2002)

Protea Hotel President

Protea Hotel President (Foto by Safari Partners via flickr)

Durante nossa viagem até a Cidade do Cabo, havíamos percorrido em torno de mil quilômetros desde a cidade de Kimberley, de onde saímos às 7 horas. Tirando as duas horas em que paramos para ver o jogo, os vinte minutos para abastecer e tomar café e uma hora do jantar, chegamos à conclusão de que fizemos esse percurso em aproximadamente dez horas.

No dia seguinte, depois de um excelente café da manhã com uma vista maravilhosa para o mar, fomos conhecer a cidade. Ficamos impressionados com a beleza da Cidade do Cabo. Não é à toa que foi eleita a segunda cidade mais bonita do mundo. Sua paisagem era lindíssima com a mistura de montanhas ao fundo, os arranha-céus e o mar. Ficamos também encantados com sua limpeza e a organização do tráfego. Podiam-se ver muitos viadutos, ruas largas e arborizadas, muitos parques e jardins.

FOTOS DA CIDADE DO CABO - ÁFRICA DO SUL






Praça de alimentação de um shopping da cidade

Região portuária
Estádio ao fundo...

Waterfront, onde tem muitas lojas de griffes famosas

No dia seguinte, pela manhã, nosso destino era o Cabo da Boa Esperança. Na ida, pegamos uma estrada litorânea na qual víamos o Oceano Índico, límpido e bem azul. A certa altura, começamos a subir novamente as montanhas, dessa vez, com muito verde ao nosso redor e o azul do mar embaixo. Paramos para almoçar, ainda na subida, em um restaurante de frutos do mar em que havia um aquário do qual nós escolhíamos o que iríamos comer. Depois do almoço, seguimos viagem. Continuamos a curtir a beleza daquelas montanhas à beira-mar.

Na chegada ao Cabo da Boa Esperança, as emoções superaram nossas expectativas. Subimos de bondinho elétrico até o topo de uma montanha, podendo, assim, apreciar a vista mais linda que já havíamos visto até então. Parecia um cartão postal. Dispensamos o bondinho na descida para que pudéssemos ir caminhando e desfrutando melhor aquela linda paisagem, tirando algumas fotos e curtindo também a vista do encontro dos dois oceanos, o Índico e o Atlântico. Já embaixo, tiramos fotos com os babuínos, já domesticados de tanto conviverem com os turistas. Fomos avisados de que podíamos tirar fotos deles, mas não alimentá-los. Compramos alguns suvenires em uma loja e fomos para um restaurante tomar um café com uma torta bem gostosa.

FOTOS DO CABO DA BOA ESPERANÇA - ÁFRICA DO SUL

O Cabo da Boa Esperança, muito famoso e importante na época das grandes navegações, é o ponto mais ao sudoeste da África (e não o mais ao sul, que é Cape Agulhas, segundo  Google), onde se encontram os Oceanos Índico e Atlântico. Fica ao sul da Cidade do Cabo, na península do Cabo, e faz parte do Table Mountain National Park. Um lugar lindoooo, com uma vista maravilhosa!! (Foto by Revista Viver via flickr)

Mirante a 2,500 metrs acima do nivel do mar

Farol (Foto by Camila Gomes Lopes via flickr)

Foto by Rafael Simões via flickr



Encontro dos dois oceanos: Atlântico e Índico. Cabo da Boa Esperança

Subida para o Mirante, para ver o encontro dos dois oceano: Atlântico e Índico. Cabo da Boa Esperança


Foto by Levi Guimarães via flickr

Bondinho elétrico no Table Mountain

Placa alertando sobre os babuínos

Babuínos (Foto by Levi Guimarães via flickr)
Eu e Jouko na subida...


Cape Point (Foto Gui Leite via flickr)

Ainda emocionados com aquela vista maravilhosa, começamos nossa viagem de volta para a cidade, dessa vez, por outra estrada que beirava o Oceano Atlântico. Quisera muito ter ido visitar as praias dos pinguins, mas estava muito frio, e eu preferi ir ao shopping fazer compras de coisas típicas da África.

Depois de mais um dia de passeio, visitar o centro da cidade, ir ao shopping center e ao restaurante, devolvemos o carro para a Locadora Avis e tomamos nosso voo de volta para Johannesburg e, de lá, para Frankfurt e Helsinki.

Nosso voo para Frankfurt só não foi totalmente tranquilo porque tivemos uma forte turbulência quando atravessamos o Deserto do Saara na África do Norte. Como sempre, no avião, meu marido dormiu que nem um bebê, e eu fiquei acordada assistindo aos filmes e papeando com as comissárias de bordo.

Em Helsinki, matamos as saudades de Adriana e Jusef e seguimos para nossa casa em Saarijärvi.

No terceiro dia após nossa chegada, tínhamos planos de ir à outra cidade a mais de duzentos quilômetros para a festa de formatura de Tiina, sobrinha de Jouko, que se formara em psicologia. Antes de irmos dormir, Jouko queixou-se de dor no olho esquerdo, dor de cabeça e febre alta. No dia seguinte bem cedo, não suportando mais tanta dor, dirigiu-se ao hospital mais próximo e, de lá, foi transferido para outro, em outra cidade. O glaucoma, antigo problema de meu marido, havia voltado, e ele necessitou ficar uma semana internado e submeter-se a duas cirurgias. A Finlândia está entre os melhores países do mundo em tratamento de olhos, com tecnologia de ponta, e, com isso, Jouko pôde se recuperar rapidamente, graças a Deus.

Eu me encontrava na Finlândia, curtindo o lindo e breve verão. Adriana estava comigo, de férias, mas Yusef estava em Helsinki com o pai. Falávamos com ele várias vezes por dia pelo telefone. Eu sentia muita saudade de meu neto. Assim como não consigo descrever com palavras a beleza dos muitos lugares que visitei nesse mundo afora, não consigo expressar a emoção de ser avó de um menino tão especial, saudável, forte, extremamente sensível e inteligente. Acho que o fato de ouvir diariamente quatro línguas dava-lhe mais energia para, a cada dia, aprender mais. Que Deus o abençoe! Igualmente difícil é expressar em palavras o que sinto quando me encontro rodeada de pessoas que amo e que sei que também me amam.

No mês de setembro do mesmo ano, meu marido viajou a Manila, nas Filipinas, para um novo projeto. Decidi que, em vez de acompanhá-lo, viajaria para o Brasil. Adriana tirou férias de três semanas e resolveu ir comigo.

Confesso que, em minha chegada ao Brasil, depois de tantas alegrias por rever novamente minha família e meus amigos, não pude esconder a decepção que tive quando vi a reforma que havia sido feita em minha casa, no Sítio do Conde, que eu havia comprado na última vez em que tinha estado no Brasil. Durante todo o tempo em que estive na África do Sul, mandei dinheiro para minha irmã fazer a reforma dessa casa. Fiquei irritada porque paguei o preço por um serviço de primeira qualidade, e o resultado era de quinta categoria. As paredes foram pintadas sem massa corrida e sem lixar, as janelas e portas, pintadas também sem lixar. Não pensei duas vezes quando resolvi fazer tudo novamente contratando, aconselhada por uma prima minha, dois pedreiros de Aracajú. Só teve um pequeno detalhe que minha prima esqueceu-se de me avisar. Era que esses pedreiros, além de mal-educados, eram alcoólatras. Foram sete semanas de muito estresse porque, de vez em quando, resolviam aprontar com bebedeiras. Além de cobrarem caro pelo serviço, tive inúmeros aborrecimentos com eles. Ainda faltava pouco para terminar o serviço, mas não aguentei, paguei o restante do dinheiro a eles e pedi que fossem embora.

Diante dessa situação, não pude deixar de comparar as pessoas e o ambiente em que vivia no outro lado do mundo com o que acontecia no Brasil. Quando a gente se acostuma a conviver com pessoas honestas, com competência e qualificação profissional, que executam bem seu trabalho, é muito difícil relacionar-se com pessoas sem escrúpulos e sem responsabilidade. Talvez, com uma melhor distribuição de renda e melhor acesso à educação, o povo brasileiro consiga ser mais educado no sentido mais completo da palavra. Sentia uma tristeza imensa por tudo isso.

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