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Wednesday, July 31, 2013

SENTINDO-ME SEGURA NA FINLÂNDIA

Era impressionante que, quando retornava do Brasil e encontrava minha família e meus amigos na Europa, sentia-me tão protegida, tão respeitada, como se tivesse passado de um planeta a outro, apesar do amor que sempre tive por minha família no Brasil e da alegria que sentia ao revê-los todos os anos. Mas, nesses últimos anos, estavam acontecendo coisas muito estranhas. Durante doze anos, eu tive um apartamento em Salvador, e tudo era perfeito. Viajava sempre à Bahia sem nenhum problema. Depois que vendi esse apartamento e comprei uma casa no Conde para ficar mais próxima de minha irmã gêmea, só tinha problemas quando regressava ao Brasil. Quem sabe um dia encontrarei alguma resposta? Mesmo assim, sabia que retornaria ao Conde para ficar ao lado de Joselita, pois nós sempre sentíamos muita falta uma da outra.

Já na Finlândia, recebia notícias de minha irmã, acompanhando diariamente sua situação. Joselita continuava sem andar, as dores aumentavam, e ela tomava uma quantidade enorme de remédios diariamente.

Quanto à agressão que nós duas sofremos por um homem louco e bêbado, fiquei sabendo que ele sequer havia sido chamado para depor mesmo depois de seis meses do ocorrido. Era impressionante e imoral o descaso das autoridades dessa cidade. A lei existe para punir criminosos, mas parecia que as autoridades do Sítio do Conde não sabiam disso. Passaram-se dois anos, e o processo ainda corria no Fórum do Conde sob a alegação de que esse indivíduo não tinha endereço fixo e nunca o encontravam. Não consigo entender, pois o mesmo não estava no exterior e vivia em Salvador.

O verão de 2005, na Finlândia, foi uma beleza, um pouco mais quente que o normal. Como morávamos a quase quatrocentos quilômetros de minhas filhas e neto, eles nos visitavam frequentemente. No dia 22 de junho, quando se comemora o MidSummer Day, na véspera de São João – que também é muito celebrado na Finlândia –, vieram nos visitar. Nesse dia, sempre podemos ver o amarelado no céu causado pelo pôr do sol. Mas, por não conseguir esconder-se, alguns minutos depois, o sol volta a brilhar como se fosse dia. É o que chamamos de Sol da Meia-Noite. Tem festa a noite inteira, normalmente com as famílias reunidas, apreciando essa beleza na beira do lago, tomando banho em suas águas, bebendo, comendo e fazendo sauna.

Sol da meia noite. 
Foto by Hansenit via flickr

Belíssimas paisagens do Sol da Meia Noite (Midnight Sun, in Finland) com fotos hosted on flickr

Midsummer (Foto by julukustavisuomi via flickr)

Celebração do Midsummer (Foto by Stefano Di Chiara via flickr)

Durante o verão, nos meses de maio, junho e meio de julho, a claridade é muito grande e quase não escurece na parte conhecida como Finlândia Central, mais ao norte de onde moramos. Em compensação, a partir do mês de outubro, cada dia fica mais escuro. O mês de novembro tem dias em que a claridade permanece só por duas horas.

Em minha volta à Finlândia, continuava caminhando quase todos os dias. Onde moro, há pistas próprias para caminhar, correr e até infraestrutura para fazer ginástica em um raio de mais de oito quilômetros. Tudo isso no meio da floresta, com vários tipos de pinheiros e de outras espécies de árvore e um lago logo abaixo. É uma paisagem de tirar o fôlego. A Finlândia possui mais do que sessenta mil lagos, cuja maioria se encontra na parte central do País, todos maravilhosos, com as águas azuis e límpidas. Quase todos os finlandeses possuem casa de verão, barcos e saunas na beira dos lagos. As saunas são a lenha, mais naturais e saudáveis, dando mais charme a essa estação. Após fazer sauna com uma temperatura muito elevada, as pessoas apreciam muito o banho nas águas frias. Na saída da água, a sensação de leveza e frescura é indescritível. Segundo me contaram, esse procedimento faz com que nosso organismo produza cortisona ajudando no rejuvenescimento. Provei, comprovei e adorei. A sensação é muito gostosa. Até hoje existem mulheres na Finlândia que concebem seus filhos dentro da sauna porque consideram um lugar extremamente limpo e esterilizado. Esse procedimento é uma tradição milenar.

Pequenas ilhas bo Sudoeste da Finlândia (Foto by Andrei Niemimäki via flickr)

Fazia um ano que Anapaula, minha filha mais velha, havia retornado do Brasil. Tinha feito, na Finlândia, um teste para um curso de bacharelado em Administração de Negócios com especialização em Comunicação, abrangendo um campo amplo, que engloba Comércio Exterior, Globalização, Leis da União Europeia e Idiomas. Estávamos muito ansiosos porque quatrocentas e oitenta pessoas haviam feito o teste, e as vagas eram limitadas. Mas eu tinha esperanças de que ela iria conseguir porque, além de falar fluentemente quatro idiomas, havia sido secretária bilíngue em uma multinacional e já tinha muita experiência. No dia do resultado, assim que ela viu seu nome na lista de aprovados pela internet, telefonou para nós explodindo de alegria. Havia sido classificada entre as dezoito pessoas selecionadas. Teria pela frente quatro anos e meio de curso. Além das quatro línguas que já dominava, teria que aprender mais duas no decorrer de dois anos. Se quisesse, poderia ainda incluir mais duas ou três. Ela achava que conseguiria, pois teria uma jornada de estudos de oito horas por dia contando com o apoio do governo finlandês. Também poderia escolher estudar por uma temporada em algum país-membro da União Europeia, como França, Inglaterra, Bélgica ou Alemanha.

E assim passávamos um ótimo verão. No mês de agosto, começou o Campeonato Mundial de Atletismo. Aprendi a gostar muito de esporte só de ver como meu marido gostava. Como Jouko já havia praticado esportes e até participado de competições quando era jovem, ele vibrava acompanhando os eventos esportivos. Durante toda a semana, víamos as competições pela televisão e, no final de semana, já com nossos ingressos em mãos, saíamos de casa bem cedo, pois estávamos a quase cinco horas de carro da capital, onde aconteciam as competições, para vê-las ao vivo e a cores. O estádio para onde íamos estava sempre superlotado. Houve a final dos quatrocentos metros em revezamento feminino, e o Brasil estava competindo, ficando em quarto lugar.



A última vez em que a Finlândia recebeu atletas do mundo inteiro para essa competição foi em l983, quando um atleta brasileiro deu um vexame em minha casa.

A Finlândia é um país que incentiva muito o esporte. Eles são os melhores do mundo em esqui (hiihto), salto em esqui (mäkihyppy), hóquei no gelo (icehockey), arremesso de dardo (jávelin) e, no autoesporte, são uns dos melhores, como no Ralli e na Fórmula 1.

Depois desse período, Jouko fez-me uma proposta:

– O que você acha de irmos passar uma semana na Grécia para comemorar nosso aniversário de casamento?

Eu, tomando meu café da manhã, olhei para meu marido com imensa ternura e respondi-lhe:

– Por que não? Essa é uma boa ideia.

Era a última semana de agosto, e a Finlândia não estava mais tão quente. E eu estava mesmo necessitando tomar um pouco de sol. Quase quatro meses haviam se passado desde minha chegada do Brasil, ainda estava muito quente na Grécia e, como já havia começado o período escolar, seria um pouco mais tranquilo por lá.

Dois dias depois de resolvermos viajar, saímos de casa à meia-noite e fomos para o aeroporto de Helsinki, pois nosso avião iria decolar às 6 horas e 30 minutos para a Ilha de Creta, na Grécia. Nosso destino era Hania, uma das cidades da Ilha de Creta. Para chegarmos lá, tivemos um voo de quase quatro horas tranquilo, mas, apesar disso, eu sentia muita tontura, ainda a velha história do problema de minha coluna. Algumas semanas antes, havia feito dez sessões de fisioterapia, porém parecia que não havia dado nenhum resultado. Na descida do avião, sem me importar com a tontura e olhando para baixo, fiquei deslumbrada com a vista maravilhosa das montanhas e o azul turquesa do Mar Mediterrâneo. Como estávamos em um voo charter, tínhamos um ônibus com uma guia finlandesa para levar-nos ao hotel. Queria chegar logo, tomar um banho quente e deitar-me um pouco na esperança de melhorar da tontura. Dentro do ônibus, com o ar condicionado ligado, sentia-me um pouco melhor, mas não podia sequer mexer minha cabeça. Foi uma pena porque a paisagem era belíssima, com uma variedade enorme de buganvílias floridas e com tons diversos. É impressionante como essa flor me fascina!
Ilha de Creta, Grécia (Foto by Nicola via flickr)
Hania waterfront (Foto by east med wanderer via flickr)

Vista típica de uma rua em Hania (Foto by Kate Allen via flickr)

Hania ou Chania, na Ilha de Creta (Foto by Aaron Geddes via flickr)
Uma Taverna, em Hania, com lindas Buganvílias (Foto by Aaron Geddes via flickr)

Outra rua, em Hania, Creta (Foto by Aaron Gueddwa via flickr)

Hotel Maleme Imperial (Foto by Jansq via flickr)
Vista em frente ao Hotel Maleme Imperial (Foto by Valtteri T. via flickr)
No Hotel Maleme Imperial

No hotel, antes de sairmos para irmos a um show folclórico

Fiquei ainda mais fascinada quando chegamos ao Hotel Maleme Imperial, com uma piscina imensa, de onde se via o indescritível azul do Mediterrâneo. Deram-nos um apartamento com uma sala grande, banheiro, dormitório e varanda com uma vista de encher os olhos. Os móveis, bastante requintados, ficavam ainda mais bonitos por estarem sobre o chão de mármore de Carrara. Depois, em um restaurante no centro da cidade, fiquei fascinada com o que via no teto, mas, sem entender direito, perguntei a Jouko:

– Querido, o que é isso?

– Isso são cachos de uva. – explicou-me.

Olha que lindo os cachos de uvas pendurados no teto, muito comum nos restaurantes da Grécia... 

Restaurante com parreiras ao ar livre (Foto by Sean O'Sullivan via flickr)
Estávamos jantando sob um teto coberto por parreiras cujos cachos caíam e, como havia um tipo de iluminação especial, isso dava ao ambiente um toque bem diferente e romântico. Esse não foi o único restaurante onde comemos. Fomos a outros que tinham a mesma decoração. Antes de fazermos o pedido de nossa comida, os restaurantes de lá ofereciam um drinque de boas-vindas chamado ouzo, cujo teor alcoólico era de 42%, e apresentava um gosto de anis. Também, ao final, ofereciam uma bandeja de frutas da qual a uva era peça obrigatória. Esse procedimento repetiu-se em todos os restaurantes que visitamos.




Harbor em Hania, Creta

Durante toda a semana, aproveitamos cada instante, tudo o que esse país oferecia. Além dos muitos passeios que fizemos, fiquei encantada com uma praia chamada Falasarna. Com palavras era difícil traduzir a beleza dessa praia, onde o azul celeste misturava-se ao azul piscina e turquesa da água do mar, muito cristalina. Naquelas águas não se viam pedras ou algas; na praia, somente areia branca e fofa. Fui informada de que o teor de salinidade das águas do Mar Mediterrâneo é em torno de 4%, semelhante ao do Oceano Atlântico. Também fiquei sabendo que o Oceano Pacífico, o maior do mundo, tem em torno de 3,5%, o mesmo teor do Oceano Índico. O Mar Morto é o mais salgado, com o teor de 25%, enquanto que o Mar Báltico, com suas águas muito geladas, possui um teor de salinidade na faixa de 1%.

Falasarna beach (Foto by Jose Télles via flickr)
Falasarna beach (Foto by David Cuni via flickr)
Praia da Falasarna


A Grécia é sempre um livro de páginas abertas o qual o leitor, fascinado, jamais se cansa de folhear. O passado estendia-se diante de nossos olhos, a história da humanidade estava cravada em cada pedra das ruínas dos palácios da Antiguidade.

No dia seguinte à nossa chegada, fomos visitar o Palácio de Knossos, na cidade de Heraklion, distante mais de trezentos quilômetros da cidade onde estávamos hospedados. Gostaria imensamente de ter palavras suficientes para descrever a beleza dessa estrada. De dentro do carro que havíamos alugado, eu não conseguia ver o topo das montanhas de tão altas que eram. O verde belíssimo das montanhas contrastava com o azul anil do Mar Mediterrâneo. Como sou muito emotiva, as lágrimas vinham a meus olhos frequentemente. O Palácio de Knossos tinha sido construído havia quase quatro mil anos e apresentava uma parte reconstruída e outra em ruínas. Acredita-se até que essa era uma reconstrução de outro palácio. Naquela região, viveu uma civilização chamada Minoa, considerada a mais antiga da Europa, ainda da Idade do Bronze.

FOTOS DO PALÁCIO DE KNOSSOS, NO MUSEU ARQUEOLÓGICO DE HERAKLION, ILHA DE CRETA - GRÉCIA

Palácio de Knossos, casa de banho (Foto by Fco-Javier Delgado via flickr)

Palácio de Knossos, folheto explicativo de sua história (Foto by Everton Prudêncio via flickr)

Palácio Knossos, parte reconstruída (Foto by verde-mar via flickr)

Afresco na parede "Prince of the Lilies", Palácio de Knossos (Foto by Antonio Penades via flickr)

O estado de conservação dessas ânforas é excelente! Ânfora = Vaso grande de duas asas, para líquidos, usado antigamente entre Gregos e Romanos. (Foto by MANEL ALMENDROS ALONSO via flickr)

Palácio de Knossos, ruínas (Foto by wontonsopabuena via flickr)

Eu, nas ruínas do Palácio de Knossos
Casas de banhos, Palácio de Knossos (Foto by Andrea via flickr)

Foto by Andrea via flickr

Afrescos (Foto by Xaquin via flickr)

Essa pintura "O Salto do Touro" é a reconstrução que nos permite imaginar a beleza e singularidade do palácio e suas paredes. É uma demonstração de agilidade acrobática praticada pelos Minoans.

Informação: a localização do labirinto da lenda tem sido uma questão para estudos minóicos. Poderia ter sido o nome do palácio ou de uma parte do palácio. Durante a maior parte do século 20, as insinuações de sacrifício humano no mito intrigou os estudiosos da Idade do Bronze, porque a evidência de sacrifício humano na ilha de Creta nunca tinha sido descoberto e por isso foi vigorosamente negado. A prática foi finalmente confirmada arqueologicamente (ver em civilização minóica). É possível que o palácio era um grande centro sacrificial e poderia ter sido chamado Labirinto. O esquema é certamente labiríntico, no sentido de que é complicado e confuso.
Palácio de Knossos, restos das três colunas (Foto by MANEL ALMENDROS ALONSO via flickr)
Em uma noite, fomos assistir a um show folclórico, acompanhado de um jantar delicioso com comidas típicas em uma cidade chamada Theresse localizada nas montanhas. A estrada era muito linda e também um pouco perigosa, pois, como subia pelas montanhas, às vezes mal dava para o próprio ônibus passar. Quando chegamos ao restaurante, senti imediatamente um frio terrível. Dei-me conta de que estávamos a mais de dois mil e quinhentos metros acima do nível do mar e, como era noite, logicamente sentia muito frio, principalmente porque eu vestia um vestido de alças. Vendo minha situação, o guia, mais do que depressa, emprestou-me sua jaqueta. Comemos mousaka, uma espécie de lasanha feita de batata, carne moída e outros ingredientes que dão um sabor exclusivo a esse prato. No final, fomos convidados a dançar com o pessoal do show, que tentava ensinar-nos a dança da música do filme Zorba, o Grego. Nós nos divertimos bastante. Adoramos!




A Grécia, com as inúmeras ilhas que compõem seu arquipélago, parece um paraíso, é digna de ter sido a morada de todos os deuses do Olimpo como a história nos conta. É realmente um país fantástico.

Monday, July 29, 2013

FINALMENTE, MEU RETORNO AO BRASIL

Finalmente, havia chegado o tão esperado dia de meu retorno ao Brasil, e eu poderia ver de perto a situação de Joselita. É claro que, durante esse tempo, preparava-me emocionalmente com a ajuda de um especialista.


Como meu filho trabalhava na Varig, tínhamos um bom desconto e, por isso, sempre viajávamos na classe executiva. Em um voo com duração de mais de onze horas, fazia diferença estar na classe executiva. O serviço era nota dez, com a comida deliciosa e variada, e havia, principalmente, o conforto da poltrona, muito mais espaçosa, que se transformava em cama. Ainda existia a vantagem de poder levar mais peso de bagagem.

Como sempre fazia, saía de Helsinki para Londres, permanecendo nessa cidade por dois ou três dias antes de embarcar para São Paulo. Dessa vez, hospedar-me em Londres tinha outro significado. Era como se eu estivesse me dando um presente e me preparando melhor para encarar a dura realidade de encontrar Joselita nas condições em que eu preferia que ela não estivesse.

Fui aconselhada por meu analista a não dizer o dia de minha chegada a Joselita evitando que ela ficasse ansiosa, pois já havia me falado que, sempre que eu atravessava o Oceano Atlântico, ela não conseguia dormir direito. Assim fazendo, telefonei de São Paulo para minha sobrinha e pedi que não fossem ao aeroporto porque achava mais fácil tomar um táxi e seguir viagem direto para o Conde. Qual não foi minha surpresa quando desembarquei em Salvador e lá estavam minhas duas irmãs, algumas sobrinhas e Madalena e Gracinha, duas grandes amigas. Fiquei muito feliz ao abraçá-las, mas, pela primeira vez, com tanto tempo morando fora do Brasil, desembarcando todos os anos nesse aeroporto, Litinha não estava à minha espera. Havia começado meu desafio.

Seguimos viagem para o Sítio do Conde, e minha irmã já estava sabendo de minha chegada, que tinha sido noticiada quando liguei de São Paulo. Abri o portão da frente, e lá estava ela sentada na cadeira de rodas, aparentemente calma. Aproximei-me, dei-lhe um forte abraço e um beijo no rosto. Mesmo tentando manter a calma, senti que ela estava fortemente emocionada. Entrei em casa, fui até a cozinha porque precisava de força, muita força para encarar aquela situação normalmente. Mesmo psicologicamente preparada, nessas horas, a teoria fica para trás e não é possível encontrar palavras para dizer qualquer coisa. Voltei para a área do jardim onde ela continuava sentada e sentei-me ao seu lado. Eu queria a todo custo entrar em algum tipo de conversa que nos descontraísse mais. Foi aí que ela me contou que, quando ficou sabendo de minha chegada, pediu a mangueira a alguém e começou a regar as plantas.



De repente, sem entender o que estava acontecendo, ouvimos um barulho ensurdecedor. Como em minha rua não existia redutor de velocidade, um homem que dirigia uma motocicleta veio em alta velocidade, perdeu o controle de sua moto, atravessou o portão de minha casa, assustando a mim e à minha irmã, além de também ter me causado um grande prejuízo material. Ninguém sabia quem era ele, pois estava de capacete e, como fugiu muito rápido, não foi possível sequer anotar a placa da moto. Para mim, esses indivíduos são verdadeiros criminosos que nunca respeitaram as leis de trânsito, muito menos a vida. Fiquei muito preocupada com minha irmã, mas ela me falou que, apesar do susto, estava muito feliz com minha chegada, por isso nem ficou muito abalada.

Percebi que Joselita tinha uma ferida perto de seu calcanhar. Perguntei-lhe como tinha se ferido e ela me disse que, alguns dias antes, sua cadeira de rodas havia se quebrado fazendo-a cair e bater seu pé no ferro da cadeira. Fiquei sem entender por que isso tinha acontecido uma vez que a cadeira era nova, comprada havia três meses, e suportava o peso máximo de noventa quilos. Minha irmã pesava apenas sessenta quilos. Falou-me também que todos os esforços foram inúteis, perante a loja, para conseguir uma cadeira nova, apesar de ter uma garantia de dois anos. Não perdi tempo. Fiz, imediatamente, contato com um advogado e entrei na justiça para reclamar uma barbaridade dessas. Que segurança um deficiente tem nesse país? Ela recebeu uma cadeira nova. Fiquei surpresa. O procedimento foi muito rápido graças à habilidade de um ótimo juiz.

A ferida em seu pé continuava a incomodar e por isso tinha que fazer curativos todos os dias. Ainda bem que no Conde a assistência de saúde havia melhorado consideravelmente. Encontrávamos enfermeiras bem preparadas e que tinham muita boa vontade em atender Joselita todos os dias. Mas aquela ferida não cicatrizava, pelo contrário, aumentava a cada dia, até que a médica pediu que a levássemos imediatamente para Salvador, a mais de duzentos quilômetros de distância, pois somente lá havia recursos para tratar melhor dessa ferida, já necrosada, que aumentava com uma rapidez tremenda.

Jouko, como sempre prevenido, alugou um carro novo quando havíamos chegado à Bahia. Ele achou melhor ficarmos com esse carro durante todo o tempo, já pensando em alguma situação de emergência. Saímos a toda velocidade para Salvador e, na clínica, o médico angiologista que a atendeu era muito habilidoso e competente, removendo imediatamente a necrose, e passou os remédios necessários para a sua recuperação.

Na semana do Natal, fui a Salvador com Jouko. Compramos muitos presentes para ajudar a médica que cuidava de Joselita no Conde, doutora Alsônia, na campanha do Natal das crianças carentes. Compramos também quinhentos pães que foram entregues junto com os presentes para ajudar na merenda. Para Jouko foi uma experiência nova.





Nosso Natal e Ano Novo foram tranquilos. Apesar de não estarem presentes meus filhos e neto, estava com outras pessoas que amava também. Resolvi fazer uma festa com música ao vivo para as enfermeiras e médicos que cuidavam com tanta dedicação de minha irmã.

No início de fevereiro, Jouko resolveu retornar à Finlândia. Meu bilhete de volta estava marcado junto com o dele, mas Joselita não estava bem e decidi ficar mais um pouco com ela.

Eu, no Brasil, caminhava em torno de doze quilômetros por dia, pela praia, e isso me dava um grande prazer, pois liberava endorfina, o hormônio do bem-estar. E caminhar pela praia com a maré-baixa era uma beleza. Todas as vezes que caminhava, percebia que havia muitos cães de raça andando na praia sem estrangulador, coleira ou focinheira. Quando os via, desviava e tentava manter-me à distância, pois os achava traiçoeiros. Sem falar da quantidade de bactérias que expeliam através das fezes em uma praia frequentada principalmente por crianças. Em uma dessas vezes, resolvi parar para fazer alongamento. Estava de cabeça baixa e, em certo momento, percebi que vinha um desses cães sem nenhuma proteção em minha direção. Continuei a me exercitar porque, mesmo que quisesse, não daria mais tempo para nenhum desvio já que o cão aproximava-se rapidamente de mim. Não pensei duas vezes e deitei-me no chão, de barriga para baixo, tentando proteger meu pescoço, pois sabia que alguns cães sempre atacam as pessoas na garganta. Senti que, com uma velocidade tremenda, o cão pulou por cima de mim. Seu dono agarrou-o pela barriga e pediu que eu seguisse. Confesso que o susto foi grande. Acelerei o passo de volta para casa, mas decidi ir até a delegacia, não necessariamente fazer uma queixa, mas pedir uma ajuda ou até mesmo um parecer do policial. Não achei justo aquilo que havia acontecido comigo. Além de pressão alta, tinha também problemas com o açúcar, e um susto desses não era bom para uma pessoa de minha idade. Quando cheguei à delegacia, não acreditei no que ouvi do policial, que me disse não haver nenhum recurso, nenhum meio de coibir aquele abuso, e que cachorros de raça andando soltos, sem focinheira ou coleira, era um fato corriqueiro nas praias. Disse-me também que eu não era a primeira pessoa a reclamar desse ocorrido. Aconselhou-me a procurar a Promotoria e oficializar uma queixa. Resolvi não fazer nada e achei melhor trocar de rota nas minhas caminhadas. Não demorou uma semana, e um pitbull tentou atacar uma criança, mas, como não conseguiu, mordeu a boca de um jumento que estava ao lado da criança. A violência da mordida foi tão grande que o jumento morreu. Os donos dessas feras, tão ignorantes, nada sabem sobre esses cães e os criam sem nenhum preparo. O que mais me intrigava em toda essa história era ver a passividade da população diante de situações tão escabrosas.


Enquanto permaneci no Brasil, Joselita tomava insulina três vezes ao dia e tinha que medir o açúcar pelo menos duas vezes por dia. Tomava, diariamente, em torno de vinte e dois comprimidos. Se ela dormisse bem uma noite, na outra, já sabia que dormiria mal e passaria a noite sentada na cama chorando devido a dores intensas da neuropatia. Para essa doença, tomava um remédio importado da Holanda que, segundo sua médica, era a última novidade para aliviar suas dores. Com o tempo, esse remédio passou a não ser mais tão eficaz como antes, e, além do mais, ela tinha outras complicações. Era muito triste ver minha irmã sofrer. Mas, por outro lado, ficava admirada com sua coragem, sua luta pela vida e, principalmente, sua tentativa de manter-se independente, fazendo sua higiene pessoal e até mesmo ajudando a preparar a comida. Ela pedia muito para ajudar nos afazeres domésticos, pois, além de sentir-se útil, distraía-se bastante, mesmo sentada em uma cadeira de rodas.

Já havia passado quase cinco meses que eu estava junto a Joselita e quase três que Jouko havia retornado à Finlândia. Meu coração doía bastante de saudades dele, de meus filhos e de minha casa.

Mais uma vez era chegada a Páscoa. Fui ao supermercado comprar, além das comidas da Sexta-Feira Santa, alguns vinhos tintos do Chile. Os vinhos Santa Helena e Santa Cecília, feitos com uva cabernet sauvignon, de safra 2002 a 2003, eram vinhos que apreciávamos muito na Finlândia. Não pude conter a surpresa quando vi o preço dos mesmos. Que disparate! Na Finlândia, o salário mínimo era dez vezes maior do que no Brasil, a taxa de importação para o álcool era altíssima, e a distância entre a Finlândia e o Chile, muito maior do que a do Brasil e o Chile. Então, como era que esses vinhos vindos de um país vizinho ao Brasil podiam custar quase 50% a mais? Fiquei estupefata e até um pouco revoltada. Como eu estava com muita vontade de tomá-los, comprei-os assim mesmo. Pude constatar que outros produtos industrializados (brasileiros ou não) custavam uma verdadeira fortuna no Brasil, o que não condizia com o poder de compra do trabalhador brasileiro.

Em uma tarde de domingo, quase escurecendo, eu estava sozinha com minha irmã. Ela, na cadeira de rodas, a porta da frente estava aberta, mas os portões, fechados. Um carro parou na frente de casa, e um indivíduo com um cheiro forte de álcool chamou-me. Era uma pessoa conhecida, um primo meu que frequentara muito minha casa e que, àquela altura, apresentava problemas psiquiátricos. Já havia sido internado em manicômio algumas vezes, derrubou a casa da madrinha com uma escavadeira e tinha até sido preso por tentar espancar a mãe e por ferir o pai. Essas eram algumas razões pelas quais eu tentava mantê-lo afastado de casa, mas ele continuava a procurar-nos. Aproximei-me e perguntei-lhe o que queria. Quando senti o cheiro forte de álcool, pedi-lhe que se retirasse, pois não queria que entrasse em minha casa. Começamos a discutir e, antes que eu pudesse ter qualquer reação, esse homem já havia pulado o portão e me agredido fisicamente. Lembro-me de que me jogou com toda a força no chão e começou a me espancar. Minha irmã, desesperada, gritava para que não fizesse aquilo comigo enquanto eu tentava me defender, mas o criminoso tinha mais do que um metro e oitenta de altura e estava completamente insano. Nessa hora, além da dor física que sentia, estava aflita, com medo de que alguma coisa pudesse acontecer com minha irmã. Procurei me defender e me levantar do chão. Quase sem forças, tentando coordenar as ideias, ficar de pé e procurar socorro, percebi que ele havia desaparecido. Acredito que, como ele sabia que eu tinha valores em casa, havia tentado me assaltar. Ou talvez tivesse percebido que não era mais bem-vindo e revoltou-se. Posteriormente fiquei sabendo que usava drogas e estava no Conde porque fugia da polícia de Salvador. Nessa hora, veio em minha mente que um ano e meio havia se passado da cirurgia de Joselita, de todo o empenho em salvar a vida dela, tirando-lhe daquela UTI e do hospital, e de todo o seu processo de recuperação. E, de repente, do nada, esse marginal poderia ter colocado tudo a perder pela barbaridade de seus atos. Para mim, foi um choque tremendo. O impressionante foi que, em minha casa, principalmente no domingo, era um entra e sai de pessoas que às vezes até incomodava, mas, nessa hora, nem uma pessoa, ninguém passou pela frente de casa para dar-nos socorro.

Chamei a polícia, a qual veio imediatamente, levando-me para o hospital, pois, além de machucada, estava em choque, com minha pressão arterial muito alta. Fiquei sete horas no hospital porque, apesar dos medicamentos que o médico me dava, minha pressão não baixava até que pedi ao médico para ir para casa. Achei que se tomasse meus próprios remédios, minha pressão voltaria ao normal. Foi isso que aconteceu.

Esse caso foi entregue à Justiça. Espero que esse marginal seja punido e aprenda a respeitar as pessoas de bem, principalmente uma pessoa deficiente como minha irmã.

Resolvi voltar para a Finlândia por causa dessa agressão e também por não aguentar mais o sentimento de saudade de meu marido e de meus filhos. Contratei um segurança particular para acompanhar-me em minhas caminhadas e para proteger minha casa até o dia de meu retorno à Finlândia. Levou-me, junto com minha família e meus amigos, até o portão de embarque do aeroporto.

Decolei de São Paulo para Londres no horário previsto. Mesmo com o conforto da classe executiva, foi muito difícil pegar no sono. Desembarquei em Londres em uma tarde ensolarada de primavera. Tinha a intenção de permanecer lá por três dias. No caminho do aeroporto para a cidade, as lágrimas vieram-me aos olhos ao ter como paisagem o desabrochar das flores: as acácias, as tulipas e outras variedades. Em Londres, fui novamente ao teatro assistir à lindíssima peça Aída, do compositor italiano Giuseppe Verdi. Essa peça foi encenada para as comemorações da abertura do Canal de Suez em 16 de novembro de l869.

Depois de três dias, cheguei à Finlândia.