Pages

Tuesday, June 11, 2013

CRUZANDO O ATLÂNTICO PELA PRIMEIRA VEZ ....

Nota: na verdade, esta postagem saiu da ordem, era para ser publicada antes da anterior: "De Volta para Salvador", para fazer sentido...perdoem-me a falha, mas vamos lá...continuando com a trilha...


Na partida de Jouko para a Finlândia, já no aeroporto, recebi de suas mãos um bilhete aéreo, Salvador-Madri-Helsinki, com a data em aberto, e um cheque que me garantia uma vida tranquila por algum tempo. Sentia muita saudade de Jouko, saudade que doía profundamente. Estava batalhando para conseguir a autorização de meu ex-marido para levar as crianças comigo à Finlândia. Eu estava morando novamente com minha irmã, só que, dessa vez, tinha dinheiro mais que suficiente para nossa sobrevivência. O apartamento em que morava com Jouko, pelo fato de haver terminado seu projeto, já tinha sido devolvido para a empresa.

Durante esse tempo, ainda contratei um bom advogado para cancelar uma cláusula do contrato de desquite na qual meu ex-marido teria o direito de visitar as crianças a cada quinze dias e em períodos escolares não inferiores a quarenta e cinco dias. Havia outra, que nunca foi cumprida, determinando que ele deveria dar uma pensão a cada filho. Ele achava que só tinha direitos e não deveres. Se eu tivesse dependido dele, meus filhos teriam passado fome, nem teria conseguido dar-lhes uma ótima educação. Nesse meio tempo, já sentia muitas saudades de Jouko e ainda convivia com o impasse de tentar legalmente levar meus filhos comigo à Finlândia, ou ir sozinha, confiando na Justiça, somente levando-os depois. Família e amigos tentavam me dar conselhos, cada um tinha uma opinião diferente. O dilema era grande, pois sabia que não conseguiria viver um dia longe deles. Por outro lado, tinha um homem maravilhoso que nos amava muito e estava nos esperando do outro lado do Oceano Atlântico para nos oferecer uma vida decente e muito amor. 

Resolvi, então, que iria encontrar-me com Jouko.
Foto by Felipe Marlon

Foto by Rafael Forneck

Nice, uma amiga que conhecera um engenheiro sueco o qual trabalhava no mesmo projeto de Jouko, acompanhou-me até a Finlândia. Também, para ela, era a primeira vez que saía do Brasil. A viagem foi longa e difícil para mim, uma vez que estava em fase de recuperação da cirurgia feita havia pouco menos de dois meses. Minha amiga preocupou-se comigo durante o voo:

– Maria, consegui mais um cobertor para você, pois está muito frio aqui dentro desse avião.

– Nice, além de muito frio, sinto dores na cicatriz da cirurgia feita recentemente e, principalmente, uma dor profunda dentro de meu coração por ter deixado para trás meus três filhos e minha família. Estamos somente com quatro horas de voo e já não aguento mais de saudades, gostaria que esse avião retornasse agora.

– Não, amiga, ele não pode retornar. Nossa próxima escala será em Madri, na Espanha, amanhã pela manhã. Tente dormir um pouco porque essa decisão foi a mais certa. Sei que vai ser muito duro para você, mas é para seu próprio bem e o das crianças também. Pense no futuro que eles terão em breve. Temos sempre que pagar um preço pelas coisas boas.

Finalmente, depois de dezoito horas, com um fuso horário de seis horas a mais e uma temperatura de -22ºC, nós desembarcamos no aeroporto de Helsinki. A impressão que tinha era de que estava totalmente fora do planeta Terra, com uma diferença de mais de 50ºC a menos do que a temperatura a que estava acostumada. Jouko, acompanhado de seu irmão, estava a nossa espera e tinha nas mãos uma grande sacola contendo um casaco de peles, um par de luvas, botas e meias quentes.

No dia seguinte, dentro de um apartamento finamente decorado, com uma temperatura ambiente de 25ºC, eu olhava pela janela os flocos de neve que caíam, sentindo uma imensa saudade, uma dor profunda no peito. As lágrimas vinham aos olhos trazidas pela dor da minha separação de meus filhos. Chorava tanto que as lágrimas escorriam pelo vidro da janela. Não lembro quanto tempo fiquei ali, foi como se estivesse em transe. Estava separada deles havia apenas dois dias e já não suportava a ausência, não somente pelo tempo que nos separava, mas principalmente pela distância, a terrível distância.




Na semana seguinte, a neve continuava a cair, pois era inverno, e a temperatura estava mais baixa ainda. Jouko chegou do trabalho e pediu-me que o acompanhasse para ver uma casa nova a fim de que, quando as crianças chegassem, tivéssemos mais espaço. Gostei do imóvel, e o negócio foi realizado. A decoração foi feita por mim e minha amiga Nice, que passou um mês conosco, indo depois para a Tailândia encontrar-se com seu namorado sueco.


Eu e minha amiga Nice

Enquanto isso, no Brasil, meu advogado continuava trabalhando para a retirada das crianças do país e também acompanhava o trâmite de meu divórcio.

O tempo passava, nada acontecia e meu desespero crescia. Olhava e curtia todos os dias os quartos que havíamos preparado para eles. Jouko fazia o possível e o impossível para me ver sorrindo. Apesar de saber que, mesmo longe, estávamos dando toda assistência material a eles, eu continuava sofrendo, pois o amor de mãe falava mais alto. Certo dia, Jouko chegou do trabalho todo feliz com um côco seco nas mãos. Nessa época, a Finlândia não importava frutas tropicais por medo de contaminação de doenças. Hoje a situação é diferente porque os países que exportam essas frutas precisam ter um controle rigoroso de qualidade. Naquela época só era possível encontrar côco seco. Hoje, temos desde côco seco até manga e uva do Vale do São Francisco. Até o filé mignon brasileiro e a picanha encontram-se nos supermercados de grande porte. Jouko deu-me o côco e pediu que o partisse, pois sabia o quanto eu gostava disso. Apanhei uma faca na cozinha e comecei a tentar parti-lo alguns centímetros à frente dele. Foi quando, sem explicação, a lâmina desprendeu-se do cabo a uma velocidade incrível, passando de raspão por seu pescoço, indo cravar-se na parede. Foi tudo muito rápido! Percebi que ele estava pálido de susto. Nessa hora, senti a presença viva de Deus. Ajoelhei-me chorando e agradeci com todas as forças de meu coração por não ter acontecido algo terrível. Nesse instante, Jouko pegou-me no colo e disse:

– Não chore, não aconteceu nada. Foi só o susto.

Dei-me conta de o quanto Deus é misericordioso porque a faca poderia, em vez de ir para a parede, atingir o pescoço dele. Pela velocidade e pouca distância, talvez o tivesse matado ou ferido gravemente. Como iria provar que havia sido um acidente se eu falava apenas português? Como sabemos, a fama do Brasil lá fora não é das melhores. Além da dor de haver ferido a pessoa que mais amava, teria que pagar por isso.

Minha fé em Deus, por essas e outras, a cada dia, fica mais forte. Tenho tido sempre sua proteção. Esse episódio foi esquecido e continuamos mais apaixonados do que antes. Na semana seguinte, fui com Jouko pela primeira vez conhecer nossa casa de verão, a trezentos e cinquenta quilômetros da capital, Helsinki, na Finlândia Central, local de nascimento dele. Lá chegando, tentava visualizar uma casa, mas só via neve em minha frente. Então, ele disse:

– Não se preocupe. Meu irmão, que mora na fazenda ao lado, já está vindo com o trator para remover a neve.

Assim feito, entramos na casa, que havia pertencido aos pais dele, e senti o quanto tinham bom gosto. Tudo estava limpo e arrumado, a decoração era perfeita, e o ambiente, aquecido. Na noite seguinte, Jouko estava no andar de cima lendo quando decidi ficar na varanda, lógico que com roupas apropriadas para o frio. Fiquei olhando a lua que refletia seus lindos raios na neve quando, de repente, comecei a sentir uma sensação estranha, uma espécie de medo. Achava que vinha em minha direção um grande urso. Entrei em casa gritando:

– Está vindo um urso, e vai entrar em casa!

Jouko desceu correndo e disse, depois de olhar para fora, que não havia urso algum.

– Acalme-se! – dizia, dando-me um copo de água.

Realmente eu tive uma alucinação, provavelmente provocada pelo fato de estar em um local totalmente diferente para mim. No dia seguinte, já estava mais calma. Comecei a conhecer as pessoas da família de Jouko, que me olhavam com admiração e ternura. Mesmo tendo Jouko como tradutor, para mim, era difícil expressar meu agradecimento por terem me recebido de maneira tão maravilhosa. Lembrei-me de que alguns anos antes tinha sido muito mal recebida pelos parentes de meu ex-marido. Pude também perceber a diferença de nível cultural e social entre esses dois núcleos familiares.


Família de Jouko

No comments:

Post a Comment