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Saturday, June 8, 2013

SOBRE JOUKO E A FINLÂNDIA

Aqui, abro parênteses para falar um pouco desse homem incrivelmente bondoso, que veio de tão longe para transformar minha vida e de minha família, e contar também a história de seu país. Gostaria de encontrar as palavras certas para descrevê-lo, mas tento, ao menos, revelar as coisas maravilhosas que vivi e aprendi com ele ao longo desses anos em que estamos juntos.

Primeiro dos cincos filhos de um casal, Jouko nasceu em nove de agosto de l939, em uma cidade da Finlândia Central chamada Saarijärvi. De uma família tradicional e intelectual, tinha o pai fazendeiro, o tio reitor universitário e parentes diplomatas.

Jouko, com 2 anos de idade 

Jouko e seu avô


Cidade de Saarijarvi, onde Jouko nasceu. Visite a website: http://www.saarijarvi.fi/



Igreja de Saarijarvi, Finlândia
Uma estátua de Runeberg Paavo de Saarijärvi, criada por Heikki Varja em 1960, fica perto da Igreja de Saarijärvi Igreja. A pequena cidade de Saarijärvi, não muito longe de Jyväskylä no centro da Finlândia, tem um motivo especial para comemorar o Dia Runeberg em 5 de fevereiro, o aniversário do poeta nacional finlandês Johann Ludvig Runeberg (1804-1877). A vila tem uma ligação literária com uma de suas obras mais conhecidas, intitulado Bonden Paavo , no original sueco. Em finlandês, o poema é chamado Saarijärven Paavo (Paavo de Saarijärvi). Paavo era um camponês rústico fictício que respondeu a sua vida de miséria com estoicismo heróico, uma lírica representação do sisu, a qualidade finlandêsa de auto-percepção da persistência corajosa. Visite a website/link: http://www.finland.lt/Public/default.aspx?contentid=158854&nodeid=38417&culture=en-US

Alguns meses depois de seu nascimento, a então União Soviética atacou a Finlândia e começou a Guerra de Inverno, que durou cento e dez dias. Seu pai, além de ser fazendeiro, era oficial das forças armadas e defendeu seu país na fronteira. A guerra foi brutal para a Finlândia, que conseguiu manter a independência com extremo esforço. Quase trinta mil mortos e mais que o dobro de feridos, além de 15% de perda de território acordada em tratado de paz. Os soviéticos perderam quase trezentos mil homens em massivos ataques e furiosas defesas contra as tropas finlandesas. A guerra contra a União Soviética continuou de 1941 até, finalmente, um acordo de paz no outono de 1944. Uma vez mais, as tropas finlandesas conseguiram defender-se dos ataques soviéticos. As condições de paz foram duras, e a Finlândia precisou pagar quinhentos milhões de dólares em indenizações de guerra. As perdas em mortos foram de quase noventa mil homens e um total de duzentos mil inválidos durante todo o período de guerra. Os soviéticos perderam cerca de quinhentos mil soldados. O grande problema depois das guerras foi o da reabilitação da população das áreas que foram tomadas pelos russos. Temporariamente, essas famílias foram colocadas em casas maiores.

Nessas guerras, dois tios de Jouko morreram, outro tio e seu pai foram feridos. O pai quase perdeu o braço direito e precisou ficar no hospital durante um ano e meio para poder voltar para casa. Sendo muito pequeno, no início, Jouko rejeitou o pai porque não se lembrava dele. A família de Jouko, morando em uma casa grande, teve que dividir o espaço com outras famílias que perderam suas casas e terras.

Produtos alimentícios foram rigorosamente controlados. Todas as pessoas tinham cartões com os mesmos direitos para receber controladas porções de alimento por mês. Essa prática continuou por cinco a seis anos após a guerra. Durante a mesma, a produção de alimentos era responsabilidade dos agricultores e, ainda, com os homens na fronteira, o papel das mulheres era importante. A Suécia ofereceu ajuda para receber as crianças das cidades em razão dos fortes bombardeios. Foram enviadas para esse país em torno de setenta mil crianças, lá permanecendo por um grande período. Muitas não retornaram, pois perderam suas famílias.

Um episódio ocorrido em 1946, foi a chegada do primeiro navio trazendo café comprado do Brasil. O café tinha sido racionado a duzentos gramas por mês para cada pessoa, sendo que algumas compravam suas cotas e as revendiam, no mercado negro, para as que tinham mais dinheiro. As crianças, naquela época, não aprenderam a beber café devido a isso.

Hoje, passados sessenta e cinco anos, tiro o chapéu, literalmente, para esse povo que reconstruiu seu país, sendo hoje um dos dez melhores lugares para se viver no mundo. É um país que paga para o cidadão estudar, oferecendo salários para as mães ficarem em casa cuidando de seus filhos, lugar onde não há pobreza, mas sim respeito pela vida. E ainda mostra-se extremamente solidário com alguns países, como em casos de terremotos e outros desastres naturais, nos quais a Finlândia, além de ajudar com verbas, é pioneira em enviar para a área afetada um hospital ambulante, formado por barracas armadas no próprio local, com uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e vários médicos especialistas e enfermeiros competentes, como fez no caso das áreas atingidas pelo Tsunami em dezembro de 2004. É até emocionante, depois de todo o sofrimento passado por esse país com as sangrentas guerras, hoje ser o número um no mundo em honestidade, tendo índice zero de corrupção. Tem estado em primeiro lugar, por vários anos, como o país mais honesto do mundo. Um de seus ex-presidentes é um pacificador conhecido no mundo inteiro porque ajudou a libertar a Namíbia da África do Sul, além de mediar à paz na Indonésia, em Bandar Aceh, contra os guerrilheiros. Não poderia mencionar aqui todos os seus trabalhos humanitários e também o que tem feito para mediar à paz entre países em conflito. Por conta disso, foi nomeado já duas vezes para o Prêmio Nobel da Paz, realizado todos os anos na Noruega e Suécia, tendo sido a primeira indicação em 2006, quando não foi eleito e, a segunda, em 2007. Novamente em 2008 foi nomeado e para alegria do povo finlandes, foi eleito.

UM POUCO MAIS SOBRE JOUKO

No inverno de 1952, com o lago congelado, os finlandeses divertiam-se esquiando, patinando e cavando buracos no gelo com uma furadeira para pescarem. O pai de Jouko, em um dia desse inverno, caminhava na frente com o filho mais novo, de apenas quatro anos, no colo. Atrás deles, vinham a mãe de Jouko e a filha mais nova, de apenas um ano e meio, para visitar um vizinho na ilha da lagoa. Finalmente, atrás de todos eles, vinha Jouko patinando. Jouko lembra de que, com uma rapidez incrível, o gelo partiu-se e seu pai caiu na água com o filho no colo. Jouko correu e pegou um galho de árvore. A essa altura, seu pai já havia conseguido tirar de dentro da água seu irmão pequeno. Mesmo segurando o galho da árvore, seu pai ainda nadou por quase dez minutos e teve muita sorte porque, pelo fato de a água estar quase congelada, não poderia ter resistido por muito tempo. Esse acontecimento foi muito marcante para Jouko e, graças a Deus, não resultou em tragédia.

No inverno as pessoas cavam buracos nos lagos congelados para pescar, é o chamado ice fish.
Foto Flickr by MGStanton


Jouko cresceu, estudou, formou-se e fez doutorado em engenharia e foi trabalhar em uma empresa multinacional. Algum tempo depois, trabalhou em um primeiro projeto, em Rabat, no Marrocos. Em um segundo projeto, foi enviado para a Polônia e, durante sua estada nesse país, presenciou várias vezes filas quilométricas para as pessoas comprarem laranjas, pão e outros tipos de alimentos devido ao regime comunista que ali havia.

Durante esse projeto na Polônia, Jouko teve a triste notícia de que sua mãe, com apenas sessenta anos, havia falecido em consequência de uma complicação após uma cirurgia. Seis meses depois, apesar de ainda saudável e com sessenta e dois anos, seu pai não resistiu à perda da esposa e também veio a falecer por um problema intestinal.


Em l979, alguns meses após o falecimento do pai, Jouko foi mandado ao Brasil a fim de dirigir o projeto que possibilitou nosso encontro.

A humildade, a simplicidade – apesar da cultura e das muitas línguas que fala fluentemente –, a tolerância, a paciência, a honestidade, dentre tantas outras qualidades, fazem desse homem uma pessoa especial. Emociona-se com facilidade, principalmente quando lembra e relata as guerras sofridas por seu país. Faz parte da Associação de Acadêmicos da Finlândia e é conhecido na empresa em que trabalha como Globe Troter, ou seja, aquele que já mapeou o planeta de ponta a ponta. Esse é o homem que nunca se cansou de estender-me a mão.


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