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Wednesday, June 26, 2013

DOR NA FAMÍLIA


Vovó


No ano seguinte, em outra viagem ao Brasil, no final do mês de outubro, comemoramos os oitenta anos de minha avó materna. Mandei buscar meu pai no Sul, que, dessa vez, viria morar definitivamente na Bahia, pois a senhora com a qual ele morava havia o colocado para fora de casa. Consegui reunir quase todos os netos, bisnetos e tetranetos de vovó. Na igreja, minha avó, vencida pela idade e já um pouco doente, entrou acompanhada da família, com uma linda música composta por meu filho. Vovó estava radiante, usando um vestido azul e um colar de pérolas, feliz de poder estar junto àquela família que, com muito esforço, ajudou a criar. O bolo foi um grande coração de cor branca enfeitado com rosas naturais vermelhas. Meu pai, por outro lado, estava extremamente abalado por ter sido colocado para fora de casa pela mulher com quem havia morado durante tantos anos. Eu tinha ajudado a construir a casa deles, mas, por confiança, papai nunca guardou um só recibo do material usado para sua construção, logo, não tinha como provar que a casa tinha sido construída por ele. Sua maior dor era a amar muito. Nós tentávamos fazer o melhor para que, com nosso carinho e atenção, ele esquecesse um pouco essa dor. Certo dia, ele me pediu:

– Filha, já estou aqui faz três semanas e ainda não vi minha filha Isabel. Quando você pode me levar à casa dela? 

Respondi-lhe:

– É verdade, papai! Já era tempo de termos ido vê-la. O senhor irá amanhã, domingo, para a casa de Regina, e, na segunda-feira cedo, eu passo e lhe apanho.

No domingo à noite, estava me preparando para dormir, quando o telefone tocou. Era Neto, meu sobrinho, filho de Isabel:

– Alô, tia. Estou lhe telefonando porque aconteceu um problema com minha mãe. No momento, ela está sendo atendida no Pronto Socorro Geral do Estado porque, há pouco mais de uma hora, foi atingida no estômago por uma bala disparada por um policial que perseguia um marginal. Isso aconteceu quando ela estava na porta de casa conversando com uma vizinha. Não se preocupe porque ela já esta sendo operada e, segundo os médicos, vai se recuperar.

Sem falar para vovó, que estava morando em meu apartamento junto com minha sobrinha Maria Antônia, fomos ao Hospital. Lá chegando, encontrei os três filhos dela e algumas pessoas da família de seu ex-marido. As pessoas estavam calmas, e as notícias eram animadoras, mas o lugar era degradante, havia muita sujeira e muitos feridos, chovia muito e, como os visitantes não tinham autorização para entrar, tivemos que permanecer do lado de fora, embaixo de um temporal, por mais de duas horas. Finalmente, depois dessa espera, tivemos a informação de que teríamos que providenciar sua transferência para outro hospital. Tomei um táxi, acompanhada de meus sobrinhos, e fomos para um hospital particular na Barra, onde foi providenciado o depósito para a internação de Isabel. Meia hora depois, como se fosse um pesadelo, vi minha irmã entrar no Centro de Terapia Intensiva do hospital em uma maca, acompanhada de algumas pessoas, que não identifiquei se eram médicos ou enfermeiros. Não gostei do que vi. O rosto dela estava cadavérico, e ela respirava através de uma máscara de oxigênio manual. Nesse momento, lembrei-me de telefonar para uma amiga que era médica. Alguns minutos depois, com a sua chegada, ficamos sabendo que minha irmã estava com morte cerebral e tinha, no máximo, duas horas de vida. Até hoje não sabemos quem foi o responsável por essa negligência: o pronto socorro que a operou, a ambulância que a transportou ou o hospital que a recebeu. Resolvi ir direto para a casa de Regina com a missão de dar a terrível notícia a papai e a todos da família. Cheguei lá por volta das 6h da manhã, e, quando meu pai abriu a porta, não escondeu a surpresa de ver-me tão cedo:

– Bom dia, filha. A essa hora da manhã?! Não me lembro de termos combinado de ir à casa de Isabel tão cedo. Não estou entendendo também por que você está acompanhada de sua amiga médica e dos filhos de Isabel. 

Sabia que, nesse momento, teria que me manter calma por papai e principalmente por Regina, que estava grávida de quatro meses. Em menos de duas horas, o toque implacável do telefone confirmava o falecimento de Isabel. Papai recebeu a notícia e parecia em transe. No cemitério, houve muita revolta por parte de nossa família, pois alguém suspeitava de que a morte de minha irmã tinha sido intencional e não acidente, mas não podíamos continuar com aquela suspeita porque não havia provas. Mesmo assim, tentei, através de uma entrevista em uma rádio de Salvador, alguns dias depois, chegar à verdade. Queríamos que fosse feita uma reconstituição do crime para que tivéssemos alguma explicação sobre a morte de nossa irmã, mas, no mesmo dia da entrevista, recebi uma ameaça por telefone, mandando que esquecesse esse assunto. Este caso não foi solucionado até hoje.

Tentávamos ficar mais perto de nosso pai que, apesar de estar sofrendo muito, não perdia a serenidade e até mesmo o bom humor, uma das boas qualidades que tinha. Dessa vez, minha ida ao Brasil teria sido para matar as saudades da família e retornar à Finlândia antes do Natal, mas, diante dessa tragédia, resolvi permanecer até março a fim de dar mais apoio a minha família e principalmente a meu pai.

No Natal, mandei buscar na Finlândia minha filha Adriana para passar as férias conosco, e, apesar da dor, tentávamos levar uma vida normal. Tínhamos muito apoio de nossos amigos, e acredito até que nossa família ficou mais unida.

Um mês antes de meu retorno à Finlândia, meu pai chamou-me e disse:

– Filha, você sempre teve vontade de me levar junto com você para passar algum tempo na Finlândia, e talvez agora fosse uma boa oportunidade.

– Sim, papai. Essa é uma boa ideia, mas penso que o tempo é curto para tomar as medidas necessárias, como, por exemplo, providenciar seu passaporte, e ainda está um pouco frio lá. Vou providenciar sua ida para o início de julho porque é verão, e nessa época é mais fácil conseguir uma pessoa conhecida que também vá à Europa e possa lhe ajudar na conexão em Frankfurt.

Eu mesma poderia voar até Frankfurt, que são apenas três horas de voo, e ir encontrar-me com ele. Realmente achei que estaria fazendo o melhor levando-o apenas em julho para a Finlândia.

Eu e papai, na frente do prédio, na Pituba - Salvador

Finalmente chegou o dia de meu retorno. Pela manhã, fui à praia com meu pai, e depois fomos ao Mercado Modelo fazer umas compras. Ele estava muito triste, mas sereno. Ajudou-me na arrumação e prometeu-me que, dentro de alguns dias, faria a endoscopia já solicitada pelo médico algum tempo antes. No aeroporto, a emoção da despedida foi muito grande porque, dessa vez, não teria mais minha querida irmã Isabel para dizer “até breve”. Depois de despedir-me de todos, dirigi-me ao portão de embarque. Ao virar-me para trás, vi uma infinita tristeza nos olhos de meu pai. Não sabia que esse seria nosso último adeus.

Algumas semanas depois, já na Finlândia, decidimos ir até Saarijärvi, onde temos uma casa de verão, passar a Páscoa. Na semana seguinte, pela manhã, o telefone tocou, e era meu pai falando-me que estava contente porque havia feito a endoscopia e o resultado tinha sido muito bom, sem nenhum tipo de problema. Falamos por algum tempo e, na despedida, pediu-me para mandar um beijo para Jouko. Então meu marido respondeu que um homem não beijava outro, e sim, abraçava. Disse isso a meu pai e foi motivo de muitas gargalhadas. Era uma quarta-feira.

Retornamos para Helsinki e, dois dias depois, fui com Adriana à casa de uma amiga brasileira para o aniversário do filho dela. Estávamos sentados no sofá conversando quando o telefone tocou, alguém atendeu e chamou Adriana. Percebi que ela falava muito baixo e chorava. Perguntei-lhe o motivo, e imediatamente ela desligou dizendo que era Anapaula, que havia chegado de um cruzeiro entre Helsinki e Talina na Estônia. Eu queria saber o que elas haviam falado e qual o motivo de Adriana estar tão triste a ponto de chorar. Então Adriana falou:

– Minha mãe, não se preocupe. Houve um pequeno problema com Anapaula. Ela caiu no convés do navio e machucou o joelho.

Achei estranho ser esse o motivo do choro de Adriana. Em seguida tentei ligar para Anapaula, mas ela não deixou. Nesse momento, dei-me conta de que alguma coisa estava errada e percebi que as pessoas olhavam para mim apreensivas. Olhei para todos os lados, já em pânico. Notei que Adriana havia se trancado no banheiro com outra amiga minha. Fui direto para lá e ouvi que Adriana chorava muito. Eu pedia desesperadamente que abrissem a porta e me dissessem o que estava acontecendo, pois estava transtornada sem conseguir sequer raciocinar. Algo me dizia que havia acontecido alguma coisa de muito grave com Anapaula, Ricardo ou Jouko. Sentindo um grande desespero, nem cheguei a pensar em minha família no Brasil.

– Adriana, Gislaine, pelo amor de Deus, abram essa porta! – pedia desesperadamente.

A porta abriu-se, e Gislaine, nossa amiga, olhou para mim e disse-me friamente:

– Seu pai morreu.

Nessa hora, não conseguia respirar direito, sentia um aperto muito grande no peito e não tive forças suficientes para segurar meu corpo, que caía ao chão. Quando acordei, já estava dentro da ambulância, a caminho do hospital. Algum tempo depois, chegavam ao hospital meu marido, Ricardo e Anapaula. Eu me recusava a acreditar no que estava acontecendo. Sentia uma dor profunda no peito, estava em choque, não queria aceitar que havia perdido meu pai, uma das pessoas que mais amava nesse mundo. Até então, não sabia que ele havia se suicidado. Depois de ter passado a noite no hospital e me submetido a vários exames, voltei para casa com meu marido e meus filhos e fiquei sabendo, através de minha irmã Joselita, como tudo havia acontecido. Meu pai estava morando com ela, e, um dia, ela lhe pediu:

– Pai, faltou vinagre para fazer o almoço, e gostaria que o senhor fosse comprar.

Quando ele retornou, ela avisou que ia fechar a porta da cozinha porque o vento estava muito forte e apagaria o fogo.

– Não se preocupe filha. Vou ficar aqui vendo televisão até a comida ficar pronta.

Alguns minutos depois, minha irmã estava cozinhando, quando ouviu gritos vindos do lado de fora do prédio. Abriu a porta da cozinha correndo e, sem entender o que estava acontecendo, dirigiu-se ao quarto onde sua filha, Jaqueline, estava falando ao telefone:

– Jaqueline, que gritos são esses? Por que as pessoas estão nas janelas dos outros prédios olhando para cá, gesticulando muito e pedindo socorro?

Nessa hora, ouviu um terrível barulho de uma coisa caindo no chão e, quando abriu a janela, não acreditou no que via. No chão, estava o corpo de nosso pai. Com o choque, ela teve paralisia nas pernas, não conseguia acreditar no que acabara de ver.

Ficamos imaginando se, em vez de ela ter se dirigido ao quarto, tivesse ido à sala, teria ainda tempo de ver nosso pai pendurado na janela, tentando voltar. Provavelmente ele havia se arrependido. Conhecendo minha irmã, sabendo do grande amor que ela tinha por nosso pai, iria tentar socorrê-lo segurando-lhe, mas como a janela era de vidro até embaixo, com o peso do corpo dele do lado de fora, ela iria junto. A tragédia poderia ter sido pior.

A casa cheia de gente confirmava toda aquela tragédia, aquele pesadelo. Em alguns minutos, a polícia invadiu o apartamento fazendo perguntas e tirando impressões digitais de minha irmã, sobrinhas e até mesmo de minha avó, que estava deitada na cama paralítica e doente. Segundo a polícia, alguém podia tê-lo empurrado. A dor de minha família era o que menos importava para eles. Naquele momento, entrou minha amiga médica, em choque, pois, além de gostar muito de papai, era também sua médica, e falou para a delegada, sua conhecida, que era amiga da família havia mais de vinte anos e que ninguém dali seria capaz de uma crueldade dessas, principalmente pelo amor que todos tinham por ele. Na portaria do prédio, a situação não era nem um pouco diferente porque os jornalistas tentavam a todo custo subir ao apartamento a fim de tirar fotos ou sei lá o quê. Felizmente, foram barrados pela administração do prédio, mas, mesmo assim, do lado de fora, registraram e divulgaram imagens do corpo de papai e do local do acidente. O apartamento, a cada minuto, recebia um maior número de pessoas: parentes, amigos e até desconhecidos. Não para atrapalhar, mas para trazer solidariedade, apoio e até ajudar a preparar café, chás, sucos. No dia seguinte, havia, no apartamento, vinte e cinco garrafas térmicas de café, e minha irmã não sabia nem quem eram seus donos.

O desespero e a dor tomaram conta de toda a família, que ainda não havia se recuperado da trágica morte de minha irmã, Isabel, ocorrida havia quatro meses. Ninguém conseguia entender por que ele tinha feito aquilo. Um homem que casou muito jovem, lutou com todas as suas forças para manter com dignidade sua família de onze pessoas, dando o melhor que podia, um homem íntegro e sereno, que tinha uma facilidade incrível de sorrir e fazer amigos, um homem doce com o sorriso de menino, enfim, um pai maravilhoso. Por que teve aquela morte tão trágica? Sem respostas e em choque, a minha família enfrentava aquela situação.

Minha irmã caçula, Regina, estava no oitavo mês de gestação e já havia sofrido outro abalo quatro meses antes com a morte de nossa irmã Isabel. Regina, que não sabia de nada, acordou nervosa e procurou a empregada:

– Iracy, ligue para a Pituba e chame papai porque eu estava dormindo e acordei vendo ele aqui em meu quarto.

A empregada, atônita, não sabia o que falar:

– Dona Regina, não é necessário telefonar. Tenho certeza de que ele está bem.

– Eu vou telefonar porque não estou louca! Eu o vi agora mesmo!

Por infelicidade, quem atendeu ao telefone foi a própria cunhada dela. Regina, então, sem entender, perguntou-lhe o que ela estava fazendo a essa hora do dia na casa de minha outra irmã. Sua cunhada respondeu-lhe que vovó não passava bem. E Regina pediu que chamasse papai, pois queria falar com ele. A resposta foi que papai não estava em casa naquele momento. Regina desligou o telefone e tentou relaxar, mas, como não conseguia, telefonou novamente, e uma pessoa desconhecida atendeu ao telefone, deixando minha irmã mais nervosa e confusa. Nessa hora, seu marido chegou acompanhado do irmão, que era médico, e tentaram contornar a situação. Acabaram dizendo que papai estava passando mal e se encontrava no hospital. Ela pediu ao marido que a levasse para lá. Conseguiram convencê-la de que não era uma boa idéia devido ao estado em que ela se encontrava. Regina é uma pessoa muito intuitiva e logicamente não acreditou naquela história. Pegou a bolsa e saiu correndo para chamar um táxi, sendo impedida pelo cunhado que lhe deu um sedativo. Já mais calma, resolveu ficar em casa aguardando as notícias. Algum tempo depois, dormiu novamente e, quando acordou, resolveu ligar a televisão, a qual estava mostrando as imagens do acontecido. Nessa hora, Regina caiu, foi socorrida e levada para o hospital pelo marido. Foi pior assim porque o choque foi muito maior.

Meus outros dois irmãos moravam no sul do país. Um deles estava voando para Salvador, e, ao mesmo tempo, surgiu um impasse: precisavam de um homem da família que fosse ao Instituto Médico Legal liberar o corpo. Finalmente apareceu alguém da família, com muita boa vontade, que nos ajudou na liberação do corpo. Mas, mesmo assim, em razão de tantas burocracias, o corpo só foi liberado às 4h da manhã, quinze horas depois do ocorrido.

No cemitério, a emoção era geral, com as pessoas da família vindas do interior e também parentes de papai de Sergipe, pessoas que nem conhecíamos. As coroas de flores eram brancas e amarelas, em razão de minha irmã Regina ter sonhado uma semana antes que estava se casando de roupa preta e grinalda branca, que papai trocava por uma grinalda amarela.

Fui proibida por meu médico da Finlândia de regressar ao Brasil. Segundo ele, de jeito nenhum eu poderia viajar para o funeral uma vez que não tinha saúde para enfrentar um voo tão longo, muito menos para suportar a emoção da situação. Mesmo sob efeito de sedativos, em alguns momentos de lucidez, tentava imaginar a situação no Brasil. Durante quase uma semana, vivi esse pesadelo. Tinha toda a atenção e carinho de meu marido e filhos, mas sabia do sofrimento que estava causando a eles por me verem chorar o tempo todo. No entanto, aquela dor era bem mais forte, incontrolável, uma dor que destroçava meu coração e minha alma. 

Depois de uma semana, já um pouco melhor fisicamente, tomei um voo para o Brasil. Meu marido solicitou à Finnair, empresa aérea finlandesa, e à Varig um serviço especial durante o voo Helsinki-Copenhagen-Rio-Salvador. Eu estava com a pressão arterial um pouco alta, e uma comissária controlava-a e tentava me acalmar. Cheguei a Salvador depois de vinte e cinco horas. No aeroporto, havia muitas pessoas de minha família e muitos amigos à minha espera. Todos sabiam do grande amor que tinha por meu pai e tentavam me confortar. O pior foi quando cheguei a casa e não o vi. Dei-me conta de que não o veria nunca mais e que, dessa vez, não teria sua companhia, não veria nunca mais aquele olhar carinhoso e não teria mais a felicidade de chamá-lo de papai ou de ser chamada de filha. Procurei refúgio em meu quarto e só pensava em tomar tranquilizantes para dormir, rejeitando ficar acordada. Não queria sair do quarto e nem falar com ninguém ao telefone. Comer, muito menos. Mas sentia que precisava reagir, principalmente para falar com Jouko e meus filhos, que me ligavam da Finlândia praticamente todos os dias. O tempo passava, e eu não conseguia me libertar daquela depressão terrível. Não conseguia ir até a sala, lugar em que ele gostava de ficar, sentado no sofá, de cabeça baixa e às vezes até chorando. Essas foram algumas das últimas imagens que tinha dele quando estávamos juntos. E também não conseguia abrir a cortina do quarto e olhar para os treze andares abaixo. Sentia-me muito culpada por tudo o que acontecera. Poderia ter prestado mais atenção a sua tristeza, poderia tê-lo ouvido quando me pediu que o levasse para a Finlândia e ter feito um pouco mais de esforço para ajudá-lo. Esses pensamentos me machucavam muito, ao extremo, e até me sufocavam, mesmo sabendo que sempre o amei muito e fiz meu melhor para que nada lhe faltasse. Meu primo Diogo incentivou-me a ler a Bíblia. Os dias foram passando, e sentia que aquela leitura ajudava-me um pouco e começava a ouvir os conselhos de minha família e das pessoas próximas, que não sabiam mais o que fazer para aliviar meu sofrimento. 
cesta de café da manhã, no dia do meu aniversário

No dia de meu aniversário, poucos dias antes de completar três meses dessa tragédia, acordei por volta das oito da manhã com minha irmã e sobrinhas segurando uma cesta de café da manhã, flores e cantando parabéns. Em seguida, recebi um telefonema da Finlândia de meus filhos e marido. Percebi que precisava viver, principalmente, por essas pessoas que me amavam muito. Eu estava me destruindo e comecei a acreditar que aquele meu sofrimento talvez não estivesse fazendo bem para meu pai. Permaneci mais um mês no Brasil e retornei à Finlândia. Jouko estava com um projeto na Indonésia. Optei por ficar na Finlândia a fim de desfrutar da companhia de meus filhos e curtir minha casa. Apesar disso, continuava ainda depressiva, só dormia com tranquilizantes. Eu lia muito, ouvia sempre uma boa música e passeava com meus filhos. Decidi procurar um analista. Indicaram-me uma sueca que tinha muitos livros publicados e, segundo informações, era muito boa. Mas ela morava na Suécia. Como eu estava na Finlândia, fazia as sessões por telefone duas vezes por semana. Ajudou-me um pouco. Falava quase todos os dias pelo telefone com Jouko, sentia muitas saudades dele e não via a hora de seu retorno. Dois meses passaram-se, e eu tentava ter uma vida normal, embora aquela dor não acabasse e as saudades que sentia de meu pai fossem, às vezes, insuportáveis. Certo dia, decidi que dormiria sem remédio. Não consegui. Fiquei acordada toda a noite, o dia e a noite seguintes também. Pela manhã, minhas filhas levaram-me ao médico, que me receitou antidepressivo e aconselhou-me a frequentar uma academia de dança. Segui seus conselhos, mas de nada adiantaram.

Eu esperava com muita ansiedade o retorno de Jouko à Finlândia. Imaginava que sua presença me daria um pouco mais de felicidade. No dia de sua chegada, estava mais animada e até um pouco feliz. Era bom vê-lo novamente depois de quatro meses, talvez os mais longos e dolorosos de minha vida.

Faltava pouco tempo para completar seis meses da morte de meu pai. Resolvi escrever uma cartinha para ele. Essa carta foi transformada em cartões de agradecimento a serem distribuídos para as pessoas que compareceriam à missa. Custou-me bastante escrevê-la, mas consegui, pelo menos, pôr no papel tudo o que eu estava sentindo. Enquanto escrevia, sentia as lágrimas caírem, e às vezes, até molhavam os papéis. Mas precisava fazer alguma coisa que aliviasse minha dor. Eis a carta:



Alguns meses depois, retornei ao Brasil e, dessa vez, criei coragem e fui ao cemitério pela primeira vez visitá-lo. Foi muito doloroso porque até então não tinha visto nada, só ouvira sobre sua morte. Havia mandado da Finlândia uma corbelha de flores de seda e um porta-vela. Quando lá cheguei, haviam sido roubados, certamente por pessoas que não sabiam o que é respeitar os outros.

Passei os três meses de verão em Salvador e depois retornei à Finlândia. Sentia que estava melhor, com minha vida normalizada, embora a dor e a saudade dele ainda me machucassem muito. Havia passado oito meses.

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