Pages

Friday, June 14, 2013

UM NOVO COMEÇO EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

Voamos para Salvador, buscamos as crianças e fomos morar em São José dos Campos, no Estado de São Paulo, em uma casa eleita, na época, segundo uma revista famosa, uma das dez mais bonitas da cidade. Tinha 400 metros quadrados de área construída, piscina, um grande jardim, quatro suítes, quatro salas, copa, cozinha, dois banheiros sociais e dependências. Os lustres haviam sido feitos por um artesão de Campos do Jordão.

São José dos Campos, SP - Foto Adenir Britto/PMSJC
Distrito de São Francisco Xavier, em São José dos Campos. Foto Adenir Britto/PMSJC
Paço Municipal, São José dos Campos. Foto Adenir Britto/PMSJC
Mercado Municipal, São José dos Campos. Foto Antonio Basílio/PMSJC
Parque Santos Dummont  - Zona Central de São José dos Campos - Avião bandeirantes, um dos primeiros sucessos de venda da Embraer. Foto: Observador SJC by skyscrapercity
São José dos Campos - Vidoca  Foto: Observador SJC by skyscrapercity
Mandei buscar para morar conosco minha irmã mais nova, que foi uma das que cuidou de meus filhos quando eu estava longe. Moravam também com a gente uma moça que estava comigo desde que conheci Jouko e uma cozinheira.

Consegui imediatamente um ótimo advogado para cuidar de meu caso. 

Passados alguns meses, meu ex-marido, para minha surpresa, telefonou-me de Salvador. Ele estava vivendo com outra pessoa e já tinha um filho. Perguntou-me se podia levar as crianças ao Rio Grande do Sul, para onde estava indo de carro, a fim de que passassem duas semanas com ele. Eu lhe falei que responderia depois. Consultei meu advogado, que me orientou a permitir isso contanto que, na entrega das crianças, meu advogado estivesse presente com uma testemunha.

No dia da viagem, convidei meu ex-marido, junto com sua nova família, para jantar em minha casa. Foi um encontro amistoso, apesar do que ele havia feito comigo. Não importavam mais essas coisas porque finalmente eu havia encontrado a felicidade. Jouko também foi muito gentil com eles. Correu tudo bem no jantar, que tinha, em média, dez pessoas, inclusive meu advogado e um casal de finlandeses. O pai de Anapaula, Adriana e Ricardo finalmente pôde ver com os próprios olhos a qualidade de vida que os filhos estavam tendo.

As crianças estavam indo bem na escola, eu tinha amizade com toda a vizinhança, e sempre nos reuníamos para um jantar ou outro tipo de evento. 

Minha mãe, naquela época, já estava muito doente e, a cada dia, piorava. Mas, apesar disso, tínhamos esperanças de que melhorasse porque ainda era jovem, tinha apenas cinquenta e quatro anos. Em uma madrugada, Ana, a babá das crianças, acordou-me dizendo:

– Dona Maria José, eu acordei com alguém batendo na porta de meu quarto. 

Quando vi que não era ninguém, fiquei com medo e queria ficar um pouco aqui em seu quarto.

Ana era como se fosse da família. Na verdade, ela não estava bem, estava pálida e muito nervosa.

– Tente se acalmar, pegue seu colchão e pode dormir aqui comigo. – eu disse a ela.

Passados alguns minutos, o telefone tocou, e era meu cunhado dando a triste notícia da morte de mamãe. Eram 4h da manhã. O desespero e a dor tomaram conta de mim. Meu marido estava com um projeto em Porto Trombetas, no Pará.

Esperei o dia amanhecer e telefonei para Harry, outro diretor da empresa, que estava, no momento, em São José dos Campos. Também liguei para todas as empresas aéreas, começando aí meu pesadelo para conseguir uma vaga em algum voo para Salvador. Era sexta-feira de carnaval. Sim, no meu desespero, não havia me dado conta disso. Por sorte, consegui uma vaga em um voo que saía às 10h30min. Fiz a reserva e disse que estaria no aeroporto antes do horário para pagar o bilhete. Às 7h, o finlandês para quem eu havia ligado antes chegou a minha casa com carro e motorista para levar-me ao Aeroporto de Cumbica em São Paulo. Saímos às 7h30min de São José dos Campos, com a previsão de chegar ao aeroporto às 9h. Por infelicidade, houve um grave acidente na Via Dutra, provocando um engarrafamento quilométrico. Cheguei atrasada, e minha vaga já havia sido preenchida por um dos inúmeros passageiros da lista de espera. Disse ao funcionário com quem eu havia falado antes ao telefone:

– Não entendi por que fez isso! Falei para você do terrível acontecido e preciso dessa vaga agora!

Ele me respondeu:

– Infelizmente, nessa época, existem muitas pessoas que fazem esse tipo de teatro para passar o carnaval na Bahia.

Olhei para ele e, em vez de sentir raiva, senti foi pena porque era tão limitado que foi incapaz de ler em minha expressão a dor que eu estava sentido.

Comecei a procurar em outras empresas, tentando falar com chefes ou pessoas que pudessem me ajudar ou pelo menos acreditar no que eu estava falando. Não conseguia. Meu desespero aumentou, pois as horas passavam-se e o sepultamento seria às 16h. Estava sentada dentro do aeroporto, sem saber o que fazer, já havia tentado de tudo. Até amigas de São José estavam tentando me ajudar. Foi quando uma senhora sentou-se ao meu lado e disse-me:

– Estou lhe observando faz muito tempo e vejo que chora muito, e parece também que está tendo problemas para embarcar, não é mesmo?

– Sim. – respondi-lhe 

– Posso fazer alguma coisa? – perguntou ela.

– Agradeço-lhe muito, senhora, mas é provável que não possa me ajudar.

E ela continuou:

– Por que não? Nada para Deus é impossível. Se confiar em mim, dê-me o dinheiro de seu bilhete porque vou tentar uma vaga.

E foi o que fiz. Depois que ela saiu, pensei que, naquele momento, também tinha perdido o dinheiro. Eu estava de cabeça baixa com minha dor quando vi, em minha frente, a mesma senhora trazendo nas mãos o bilhete aéreo e dizendo:

– Apresse-se porque o embarque de seu voo já está sendo feito. Aí vem vindo a aeromoça que irá tomar conta da senhora até Salvador. Ela sabe de seu problema.

Só tive tempo de agradecer-lhe, perguntar-lhe seu nome e telefone. Enquanto procurava o papel e a caneta, dei-me conta de que essa senhora havia desaparecido. Até hoje isso ainda é um mistério para mim.

Passava do meio-dia quando decolamos de São Paulo em um voo direto para Salvador. Em um dado momento, percebi que havia, no fundo do avião, uma confusão de pessoas falando alto. Os sinais luminosos de não fumar e apertar cintos acenderam-se, e o comandante pedia que as pessoas permanecessem sentadas e não fumassem. Ficamos sabendo que um homem, acompanhado da esposa e da filha de apenas nove meses, havia estourado um vidro de lança-perfume, espalhando por toda a aeronave uma fumaça e um cheiro forte de éter. Sentimos os olhos e o nariz arderem. Pelo jeito, esse rapaz irresponsável estava drogado. Pousamos, uma hora depois, no Aeroporto Dois de Julho sem nenhum problema. Ficamos sabendo depois que corríamos risco de vida. O tal homem foi preso ainda na escada do avião.

Fui direto para o cemitério onde estava sendo velado o corpo de minha mãe. 

Eu ainda estava em choque porque, mesmo ela estando doente, ninguém esperava que aquilo viesse a acontecer. No velório, seu semblante era tão sereno, parecia que dormia. Naquele rosto moreno, transparecia a beleza de uma mulher extremamente bondosa, uma mãe exemplar que, com muito amor e dignidade, criou nove filhos, sendo um adotado. Era uma pessoa muito querida. Lembro-me de que, quando eu era pequena, ela pegava escondido comida do armazém de papai, na Páscoa, para dar aos pobres, sem contar que em casa havia sempre pessoas carentes para comer.

Dois dias depois, retornei a São Paulo, levando meu pai comigo, pois ele estava sensivelmente abalado. Ele iria morar conosco durante o tempo em que eu permanecesse no Brasil. Quando retornasse à Finlândia, eu o deixaria protegido.

Os dias se passavam e a bebida passou a ser a companheira inseparável de meu pai. Não sabíamos mais o que fazer. Procurei todo tipo de ajuda sem nenhum resultado. Meu irmão, João, que morava no Sul, foi passar o Natal conosco em São José e teve a ideia de levá-lo para o Rio Grande do Sul para passarem alguns dias juntos. Talvez assim ele conseguisse parar de beber. 

Meu irmão, João Alves
Alguns meses depois, meu pai conheceu uma senhora e começaram a viver juntos. Ajudei, com muito gosto, a montar a casa deles. Talvez fosse disso que ele estivesse precisando, de uma companheira.

De vez em quando, Jouko vinha a São José passar uma ou duas semanas conosco. Eu nunca ia a seu encontro porque tinha medo de avião pequeno, a única forma de chegar ao local de seu trabalho. As crianças iam bem na escola. Adriana e Ricardo estudavam no Instituto São José, um colégio de freiras, e Anapaula, na Escola Monteiro Lobato. Eles tinham muitos amigos e acho que nem lembravam mais do tempo em que ficaram longe de mim e, graças a Deus, isso em nada influiu no comportamento deles, pelo contrário, eram crianças normais, saudáveis, estudiosas e felizes.

O processo contra meu ex-marido continuava. Dessa vez, com um bom advogado paulista, ele estava pleiteando a custódia definitiva das crianças para Jouko.

Certo dia, Adriana estava retornando da escola quando encontrou, na porta de casa, dois senhores. Um deles era meu advogado, e o outro era o juiz que estava cuidando do caso. O juiz virou-se para ela e perguntou:

– Quem é seu pai?

Ela repondeu:

– Meu pai é o Gordo!

Gordo era o nome carinhoso que eles deram para Jouko.

– Ah, sim? E seu pai de Salvador? Se você tivesse que escolher com quem morar definitavamente, quem escolheria?

– Lógico que com o Gordo! – respondeu.

O mesmo aconteceu com meus outros dois filhos, que também chegavam a nossa casa na mesma hora. Talvez o teste tivesse sido feito dessa forma para que as crianças não ensaiassem uma resposta. Teste também para Jouko que, no Pará, trabalhando, não sabia que meus filhos estavam lhe dando a nota máxima como pai, o que verdadeiramente ele era. Não demorou muito tempo para Jouko receber a custódia definitiva. Com essa decisão, as crianças passaram a ter todos os direitos de filhos perante a empresa de meu marido, como assistência médica, boas escolas, dentre outras vantagens.

Minha irmã gêmea, durante esse período, também passava bastante tempo comigo. No ano seguinte, na data de nosso aniversário, mandei buscar papai no Sul e preparei uma grande festa e uma grande surpresa para ele: Nós nos vestimos, maquiamos e penteamos igualmente, usamos as mesmas joias e os mesmos sapatos. Ficamos exatamente iguais como no tempo de nossa infância. Convidei muitas pessoas, contratei um bufê que se encarregou da comida, bebida e decoração da casa. Quando ficamos prontas, descemos as escadas da casa e encontramos na sala um pai extremamente emocionado e orgulhoso. Também, dessa vez, fomos confundidas várias vezes pelos convidados, principalmente pelos que não eram tão próximos, como Joaquim Bevilaccqua, o prefeito da cidade. A jornalista Maria Encarnação, do Jornal Vale Paraibano, divulgou o acontecimento. Na foto do jornal, ninguém sabia quem era quem, muitas pessoas telefonaram para perguntar.

Eu e minha irmã gêmea, Joselita, na data do nosso aniversário, uma surpresa para papai...

No comments:

Post a Comment